Por: Maduro – Dias
Rua da Guarita
Tenho visto, durante as últimas semanas, em Angra do Heroísmo, um trabalho cuidadoso e bastante bem feito, na calçada norte da Rua da Guarita.
Aquilo que era uma coisa aos altos e baixos está, agora, direitinha, agradável à vista e suave debaixo dos pés. Dá gosto!
Achei interessante, sobretudo, porque o empedrado foi sendo refeito aos olhos de todos, com uma naturalidade enorme e agradável, num convívio entre quem passava - e eram muitos -, quem estava a fazer o serviço - e eram vários -, e as pilhas de pedrinhas a reaproveitar, juntamente com os montes de saibro e as ferramentas.
Reparei noutra coisa: no modo como tanta gente passava sem olhar e, principalmente, sem ver!
Agora, passam-lhe por cima, com a naturalidade da inconsciência, porque há algo mais adiante, no tempo ou no espaço, mais relevante ou urgente.
Não é a primeira vez que encontro essa atitude acerca das calçadas, mas gostava de levar esta reflexão mais longe!
A gente tem sido "treinada", de modo bastante eficaz, diga-se, a não ligar ao trabalho, seja ele físico ou intelectual, simples ou mais complexo, repetitivo ou mais variado, que está por detrás de tudo.
Não é só com as calçadas, é com tudo!
Agora, as coisas como que "nascem", vindas de uma outra dimensão qualquer e tornam-se disponíveis, diante dos nossos olhos, de tal modo que é como se elas não tivessem por detrás de si, toda uma história de organização, trabalho, pensamento, esforço, antes de surgirem.
E não é assim!
Nunca foi assim!
Durante séculos e milénios as comunidades, rurais ou urbanas, souberam e viram, todos os dias, as mãos dos artistas e artesãos fabricarem tudo o que era necessário, diante dos olhos ou muito próximo deles.
Havia ferreiros, sapateiros, pedreiros, tanoeiros, carreiros, telhais, padarias, moinhos, tecelãos, carpinteiros...
As pessoas estavam, literalmente, rodeadas de actividades produtivas e, desde pequeninas, viam que o leite não nasce nos pacotes, percebiam que o pão vem da farinha trabalhada e do forno, que as mantas e roupas vinham do tear e o fio passava por muitas voltas antes de ficar em condições. Eram capazes de valorizar e considerar um preço justo para cada pedacinho de esforço humano, físico ou intelectual.
Agora chegámos ao ponto de uma criança não perceber porque é que a Branca de Neve se picou no fuso, pois as crianças não sabem (salvo raríssimas excepções) como é um fuso e não conseguem, a partir daí, compreender quão suave teria de ser a pele da princesa para se picar.
Este modo, absoluto, como deixámos de ver, de perceber, de compreender e de integrar os processos produtivos que estão por detrás de cada coisa, no momento em que a compramos, é trágico!
Porque o trabalho não pode ser "transparente"!
Porque é no conhecimento desses processos que está a possibilidade da inovação e do empreendedorismo, tão falados como remédios dos males que nos afligem.
In Azores Digital – 30 de Novembro de 2011
“Calceteiros Angrenses”
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