segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Revoluções: provérbios e pensamentos



As revoluções são como as migas: não são para quem as fazem, mas para quem as comem.

As revoluções são para o corpo social, o que as crises são para as moléstias; elas conduzem o povo á vida ou á morte.

O entusiasmo começa as revoluções, acompanha-as o delírio, e por vezes se lhes segue o arrependimento.

As revoluções são para os homens novas torres de Babel, onde cada um fala a língua do seu interesse a ponto, de se não poderem entender uns aos outros.

Uma revolução lança todos os indivíduos fora da sua esfera, e produz um verdadeiro caos social.

Mais aqui


domingo, 30 de janeiro de 2011

Lajes


Lajes – 1955/56, “Casa Nobre estribada sobre colunas e arcos, demonstrando uma arquitectura e gosto mourisco”, segundo Drumond, esta e outras casas terão sido erguidas no século XVII durante o mandato filipino. Foi residência de Francisco Linhares Pereira, avô de Duarte Rocha Pires, cuja família era conhecida pelos “Patos das Bugias” ou da Quinta das Bugias. Usavam também sobrenomes como Machado Pires e Mendonça.

Esta foto refere-se a poucos dias desta casa de traça castelhana ser demolida tendo em vista a instalação da Royal Air Force, mais tarde Base militar Norte Americana e Base Aérea n.º 4 da Força Aérea Portuguesa. Intervieram na demolição, os operadores de máquinas, José Pires, dos Biscoitos e Carlos Rocha, da Agualva. As cantarias e pedras deste belo edifício, foram levadas para um cerrado nos Lourais, freguesia de S. Brás, propriedade de Manuel Machado Pires. Mais tarde, foram utilizadas na construção de uma casa, na Rua do Saco, freguesia de Agualva. Duas das pedras que ornamentavam um dos portais da entrada, estão actualmente na casa que pertenceu ao bispo D. Manuel Gaspar de Faria, hoje propriedade do nosso confrade Prof. doutor Fernando Rocha Pires.


In Revista Verdelho, Boletim da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos- n.º6 - ano 2001.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Exposição de Ex-líbris do Mar no Museu de Angra


Encontra-se patente no Museu de Angra uma interessante exposição de marcas de posse bibliotecárias de temática marítima. 

Iniciativa do Grupo de Amigos do Museu de Marinha, apoiada pela Academia Portuguesa de Ex-Líbris, contou com o fundamental empenho e dedicação de Pedro Katzenstein que idealizou, preparou e montou a presente exposição que já esteve, de 8 de Junho a 31 de Outubro de 2010 naquele Museu anexo aos Jerónimos e agora visita aquela que tem sido a capital nacional do ex-librismo.

Lembramos que, o Município Angrense já realizou mais de uma dezena de exposições de ex-líbris, trazendo à sua cidade a obra completa de grandes artistas, como os burilistas António Paes Ferreira, Renato de Araújo, Bastos Silva e Isaías Peixoto, o serígrafo Eduardo Dias Ferreira, o linóleogravador Segismundo Pinto e o xilogravador Ruy Fernando Palhé da Silva entre outros nomes que entraram em exposições colectivas, e agora podemos admirar mais um amplo leque de artistas nas suas várias vertentes técnica e gráfica.



Localmente, esta mostra que enriquece sobremaneira a cultura marítima portuguesa, encontrou acolhimento na direcção do nosso Museu e o apoio do Capitão do Porto de Angra.

Aconselhamos uma visita a esta exposição no Museu de Angra e a aquisição do seu catálogo cujo texto é de Segismundo Pinto, um dos maiores e mais conhecidos heraldistas portugueses. 

J.B.B.


Ex- Líbris Báquicos aqui

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os confeitos no Japão

Confeitos = compeitos

Por: Paulo Ávila de Melo



Fernão Mendes Pinto chegou à ilha de Tanegashima, no Japão, no ano décimo segundo de Tenmomn (15439, e, desde então, os barcos portugueses nunca mais deixaram de chegar ao arquipélago nipónico.

“Os cascos dos barcos portugueses eram pretos, os cabos das velas estavam espalhados como teias de aranha e velas ondulantes eram brancas e carregavam, cosidos em pano, a Cruz e o Brasão da Família Real.

No barco, o Capitão aparecia com a sua capa ao vento. Nas bonitas caixas e arcas, descarregadas dos barcos, chegavam muitas coisas nunca antes vistas: armas, relógios, telescópios, vidros, etc. O rebuçado português era uma destas curiosidades.

O que chamou mesmo a atenção do povo foram os confeitos que brilhavam dentro de frascos”.
No décimo segundo ano de Eiroku (1569), o Padre Luís Frois, da Companhia de Jesus, fez várias ofertas a Oda Nobunaga, alta autoridade japonesa, como pedido para ficar no Japão, por razão de ser prosélito. Diz-se que havia um frasco de confeitos entre estas oferendas. Podemos imaginar quão preciosos e invulgares eram estes bombons, há quatrocentos e vinte e sete anos.

Nobunaga, então com trinta e seis anos e de carácter severo, foi o primeiro japonês a possuir confeitos, e ficou contentíssimo com a oferta do Padre Jesuíta. Ao agradar a Oba Nobunaga, o Padre Luís Frois tornou-se o verdadeiro responsável pela introdução e expansão dos confeitos no Império do Sol Nascente.

Ninguém sabe quando se começou a fazer confeitos no Japão e como é que eles eram confeccionados. Sabe-se só que, durante o período Meiji eram feitos à mão. No Japão, e desde que os japoneses começaram a fazer os confeitos, o nome deste rebuçado alterou-se para “Compeitos”.

Quando a produção dos “compeitos” se tornou mecanizada, por meados do período Meiji, tornou-se bastante volumosa.

Depois da Segunda Grande Guerra, por via de faltarem alguns dos ingredientes, o “compeito” era confeccionado simplesmente com açúcar, sendo vendido em latas como o “rebuçado barato”. Era ainda muito vendido por se dizer que servia de refresco aos agricultores, enquanto estes trabalhavam.

Hoje, no Japão, o “compeito” tornou-se mais caro do que as outras formas de rebuçado, sendo olhado como um bom- bom de luxo e com alta qualidade.

continua aqui

Nota: nas suas pesquisas online não utilize a palavra compeitos (com c ) mas kompeitos.

Os confeitos no Japão (2)

Confeitos = compeitos

Por: Paulo Ávila de Melo


Angra do Heroísmo - Rua do Rego - Padaria Angrense

E vem isto a propósito da visita do senhor Taku Nomura, Presidente da Osaka, Co., Ltd., que veio a Portugal com outros empresários japoneses, na “Portugal Tour”, organizada pela “Associação Japão Portugal”, de Osaka, fundada há três anos, da qual também é membro.

Quando chegou a Lisboa, o senhor Nomura decidiu visitar a ilha Terceira por ter sabido que nesta ilha existiam os confeitos. Assim, esteve na “Ilha de Jesus Cristo”, com a sua mulher, a Senhora Motoko Nomura, entre os dias 21 e 23 de Maio próximo passado, investigando a origem dos confeitos, um doce de origem conventual, bem como a sua confecção local.

Pessoa deveras curiosa, o Senhor Taku Nomura, visitou a Fábrica de confeitos da Padaria Angrense, propriedade da firma “Basílio Simões e Irmão”, a qual considerou como um museu vivo, tirando apontamentos, fotografias, filmando tudo, em vídeo, e recolhendo amostras dos nossos confeitos e das nossas sementes de funcho.

O Senhor Taku Nomura desfez-se em perguntas, quis saber os nossos processos de confecção dos confeitos e também explicou os seus, mostrando e deixando, ainda, nesta ilha, alguns dos exemplares dos diferentes processos da sua fábrica japonesa, “compeitos” de tamanhos diferentes, grandes, como os nossos, e alguns muito pequenos, com três milímetros de diâmetro. Fantásticos, acima de tudo, os “compeitos” japoneses, são muito mais finos que os nossos, das mais variadas corem e sabores. Autenticas “obras de arte”, parecem feitos de jade ou de outras pedras semi-preciosas, e, tal como tudo o que de bom gosto, se faz no Japão, os pacotes de “compeitos apanham-nos de surpresa, por serem incrivelmente exóticos, tirando-nos a coragem necessária para os abrir.

A sua fábrica faz embrulhos de “compeitos”, em papel e em plástico, com diferentes formatos, nomeadamente, cachos de uvas, morangos, espigas de milho, girassóis, lírios e até com o formato de hortênsias, azuladas ou arroxeadas.

O senhor Taku Nomura deixou-se encantar pela nossa Ilha, a única que visitou, admirando-se com a proficuidade de flores e árvores endémicas do Japão, destacando as hortênsias, “nos lados dos caminhos” e as criptomérias, as quais encontrou um pouco por toda a Ilha. Ficou maravilhado coma a Lagoa das patas (da Falca), com o Museu do Vinho, com as nossas vinhas e rochas negras dos Biscoitos. As “muitas vacas no nevoeiro”, lembrou-lhe a paisagem do mote Aso, em Kyush, no Japão.

Após ter encontrado a fábrica dos confeitos, aquilo que mais procurava, regressou a Lisboa, onde se juntou ao seu grupo.

Post Scritptum

O senhor Taku Nomura, achou ainda curiosas as pinturas de motivos japoneses, nas madeiras do arco do Coro Alto do Convento de São Gonçalo, (Angra do Heroísmo), e identificou-as como tendo um desenho típico da cidade de Nagazaki.

In Boletim Municipal de Angra do Heroísmo- 1996


Nota: nas suas pesquisas não utilize a palavra compeitos (com c ) mas com K (kompeitos)



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NEMÉSIO E OS VINHOS DA ILHA (2)

Por: Eduardo Ferraz da Rosa *

(continuação do anterior)

Praça Velha da freguesia dos Biscoitos. Vitorino Nemésio passando a cavalo no arraial duma toirada (inicio da década de 60 do século XX).


- e também desde aquele maravilhamento da Tourada e dos seus bulícios –

“Quinto domingo na Agualva;
Manuel Maria Brum!”
Vá fogo prò ar! Brindeiras
E tambores, turuntuntun!

- até às suas erguidas taças de profunda reminiscência –

Que lembro? Um sonho é pouco nas aradas,
Pão de alma não granou no estéril chão
E, a vinho, ponho à boca o coração.

- sempre em Vitorino Nemésio poderíamos detectar marcas dessa presença, nos mais diferentes contextos, esferas de realidade e mundos de linguagem.

3. Deixando, porém, para outra prova, ou mostra, tão longa e ampla degustação merecida e proveitosa, fiquemo-nos apenas por agora numa banqueta de lava, junto àquela mesma geografia histórica e humana que deixou bagos extremos em roda da Ilha Terceira, acabando por lacrar as saídas saudosas e as aconselhadas entradas limítrofes e comuns dos vinhedos e do próprio concelho nemesianos da Praia da Vitória…

- Na verdade, entre muitos dos muros da pedra vulcânica e da existência insular que lhe balizaram as vivências, as inspirações, o calor almado do coração açoriano e a profunda graduação oceânica do espírito, ali, sobremaneira vivenciados e significantes, encontramos pingos daquele Vinho que – do Porto Martim aos Biscoitos – é mansa festa, alegria e exclamado fascínio:

Ah, Porto Martim das uvas,
Baga de faia cheirosa,
Minha maçã redondinha,
Pedra negra preciosa!

Ora este Porto Martim e aqueles Biscoitos, por igual, são “lavas cobertas de vinhedo, de matinhos de faia e pitosporos”, aonde no passado se erguiam cedo “os filhos dos vinhateiros e lavradores da periferia do biscoito (nome do chão de pedra vulcânica onde, em currais, medra a vinha)”, mas hoje se levantam e entrecruzam novas e estrategicamente calculadas mobilizações sócio-económicas…, um pouco como aquelas que Nemésio não deixou, no seu tempo e a seu modo, de lamentar ver desabafar, como uma ameaçadora trituração implacável do nosso clássico viver antigo, enquanto “se vão desfazendo, como se fossem simples saibreiras, os velhos picos da ilha cobertos de trevinha e debruados de hortenses…”.

- Talvez por isso mesmo as vides histórico-literárias de Nemésio destilem ainda agora mais actuais e espirituosas graduações críticas do que na época dos seus primeiros frutos!

A 24 anos da sua morte – idade nobre para a qualidade de certos vinhos… -, a sua obra permanece pois, como casta privilegiadamente exposta, quando em temperatura crítica para fermentação cuidada – e sendo passada pelos cascos da mais genuína Açorianidade - , cada vez mais nimbada de luz e cor, e assim enfim animada do único sabor e saber que os verdadeiros Escanções podem apreciar, provando e servindo…

* Licenciado em Filosofia pela universidade Católica Portuguesa.
Assistente Universitário e Investigador.

Ilha Terceira
20 de Dezembro de 2001

In Revista Verdelho - Boletim da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos, n.º 6 , ano 2001


segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

NEMÉSIO E OS VINHOS DA ILHA

Por: Eduardo Ferraz da Rosa


Segunda-feira dos Biscoitos (1952). Dia de Tourada: - Vitorino Nemésio, em casa de Manuel Gonçalves Toledo Brum, com João de Oliveira Gouveia e Fernando Linhares Brum

1. Um conhecido e proverbial testemunho – aliás bem sugestivo, sobre o ambiente e os contextos artísticos, literários e culturais, mais ou menos animados, fraternais e boémios (como se imagina…), que terão rodeado a elaboração e o selo último do famoso quadro de António Dacosta sobre Nemésio -, conta que o Pintor angrense ao fazer o quadro do escritor do Corsário das Ilhas– e quando ao encimá-lo de remate com a legenda V.N., logo teria interrogado os companheiros próximos sobre o significado das famosas e paradigmáticas siglas…

E então, recorda-se mais, que ao ser-lhe palpitado, indubitavelmente, reportarem-se as letras à indicação sinalética dos nomes Vitorino Nemésio, logo garantiu que não, que não senhor, que era falsa pista e não univocamente tão clara ou perceptível como o retrato parecia mostrar, e que se desenganassem no equívoco, sem sombra, suposto, para dúvida legível!

- Porém ainda, antes que sim, que melhor talvez fosse, mas de outra expressão, quem sabe se sempre nova em velhos odres, e que o ali do trago do pincel para a vista se emborcara não era senão legenda outra, por Vinho Novo, - concluía.

Todavia, a pincelada de Dacosta vem aqui à mesa hoje e ao balcão tocado de cheiros de memória mas é para uma vide de escrita de evocação – de vida, devida e grata – e no ensejo presente de celebrar o Centenário do Nascimento do Poeta da Festa Redonda, ou não tivesse sido toda a nossa Ilha por ele cantada e assim erguida em popular cálice e quadra:

Minha rosa, minha casa,
Meu almário, minha flor;
Arca de pão, minha vinha,
Minha terra, meu amor!

2. Nas páginas de uma publicação enófila – para mais desta terceirense Confraria do Verdelho dos Biscoitos -, a propósito de Vitorino Nemésio e da presença do Vinho na sua vida e na sua obra – tanto real como ficcionalmente -, não deixaria de ser curioso proceder à selecção dos ricos cachos, apuradas castas e preciosas colheitas, que a tal figura de produção e fruto da terra – metáfora poética e trabalho do homem !- o autor de Mau Tempo no Canal concedeu adega literária ou latada castiça…

- E depois, para tanto, não deixariam também de justificar o gesto da apanha, a percepção da cor e o paladar que tal faina deixasse escorrer de balseiros e prensas, ao provarmos, com sede, o escorrer vivo e observante das suas prosas e da sua apurada e única poesia!

Desde aquelas falas do discurso humaníssimo e castiço do conto do Matesinho de São Mateus – “Padaço de Traste”! Tarraço! -, que sem vinho “era o rei dos bensiniados e amigo de carrear”, o tal que para Consuelo, na Calle de las Fuentes, mandara vir “roda de aniz, que chómum amuntilhado, pois sempre era ua bebida doce, e as mulheres gosto daquilho”,- o mesmo que “era o maior gavola que a Vila da Praia tinha” e que


“Pelava-se por vinho e cachaça, entrando às vezes em casa perdidinho de bêbado. É verdade que passava às vezes um mês e mais sem copo (…). O seu fraco era aguardente do balcão – que emborcava, sem pestanejar, aos dezasseis de cada vez. Numa aposta, mesmo, lá ia meio quartilho. Enxugava também com limpeza o seu cálix de nêspera, empinando-se com o nó da garganta a embolar debaixo da papada”,


- até àquelas Décimas & Cantigas de Terreiro –

Meu Primo Chico Maria,
Maioral do meu concelho,
Alfenete de oiro puro
Como vinho de verdelho!

Meu Primo Chico Maria,
Nem visconde nem barão;
Pinheiros da tua casta
Não querem escoras, não!

Meu Primo Chico Maria!
Nas tuas pipas de vinho
Cabia o mar dos Biscoitos
E o povo do Raminho…


Meu Primo Chico Maria,
Dono da Agualva e Fontinhas!
Dizei-me se lá do Céu
Tendes saudades das vinhas…


(continua)


domingo, 23 de janeiro de 2011

Confraria do Atum




Fundada a 22 de Setembro de 2008, com o objectivo de defender e valorizar todo o património inerente ao atum, a Confraria do Atum vai realizar o seu II Capítulo nos dias 29 e 30 de Janeiro de 2011, em Vila Real de Santo António.

Do vasto programa destacamos:

Sábado – 29 de Janeiro de 2011

16h:30h – Concentração junto do Centro Cultural António Aleixo.

17h:00h – Visita guiada ao Centro Histórico à exposição da Indústria Conserveira no Arquivo Histórico Municipal.

19.00h – Jantar de Degustação (gastronomia local diversa) na Escola de Hotelaria de Turismo de Vila Real de Santo António.

Domingo – 30 de Janeiro de 2011


10h:30 – Concentração/Recepção na Praça Marquês de Pombal

11h:00 – Desfile pelo centro da cidade

11h:30 – Cerimónia de Entronização no Centro Cultural António Aleixo

13h:00 – Almoço de Confraternização no Restaurante Arenilha

sábado, 22 de janeiro de 2011

A Praia de Nemésio



Uma terra qualquer, vila ou cidade, é aquilo que o tempo depositou no seu âmago e que a nossa memória afundada assimilou e carreia. Mesteres, ruas, crenças, este assobio que passa e que entretece a noite, aquela badalada que a divide do dia e lembra um anjo falar, o pobre bêbado errante e o cortejo nupcial que a atravessa, tudo é tudo. E mortos queridos, ausentes que não voltam, casas que se ampliaram ou arrasaram… O tempo roda enquanto as cidades ficam. Outras desaparecem ou ressurgem. A Praia é dessas. Ainda há quarenta anos a Praça era a Câmara que lá está, o Corpo da Guarda que se alterou, a casa de morgada vendida e carapuçada de cimento, a velha cadeia de Jerónimo Luís o Mau e do Padre António Vieira. Se ele vivesse veria que só os sismos respeitam os Cáceres. Foram-se as belas escadarias que faziam da Praça um monumento, as arcadas de abrigo para a chuva, o grande chafariz de tornos grossos. Escapou a torre do sino a que o Medeiros dava corda. As barbas o fariam gnomo, e preservou-a. Mas ainda há dias recebi de um amigo uma imagem da Praça pimpamte, com a sua Liberdade ao meio e um empedrado central e elipsóide, com os cantos boleados para os jipes de aeródromo deslizarem…

Vida cainha!

Para que a Praia fosse “cidade” nem lhe faltava, além do relevo urbano, o primeiro sentido daquela palavra em latim. Cabeça de capitania, era um concelho velho e comarca recente. Da capitania donatária ficara a glória e o ressentimento com Angra, a nova capital da ilha. As terras fazem-se por reacção de umas às outras: É a boa emulação civil. Por um lado, na Praia dizíamos – “a Cidade” – por não conhecermos outra (o ilhéu não vê senão o seu palmo de chão e o mar que tudo envolve, transfigura e adivinha). Mas na capital reparava-se que houvesse praienses que diziam só “Angra” (“fui a Angra”), tomando o costume como uma escapatória à subordinação. Para nos arreliarem, em vez do alatinado “praiense” chamavam-nos os “praianos”.

(…) Interiormente, na vila, desvanecíamo-nos com ela. Lá estava a igreja maior recolhendo as cristandades dos campos, de novidade, o tabaco do cabo da Praia, o vinho do Porto Martins, a pedra e o trigo da Lajes e de Vila Nova, a castanha e a farinha da Agualva, a lenha das Quatro Ribeiras, os pêssegos e o vinho dos Biscoitos. Tinham-nos tirado administrativamente uma terra de milho, os Altares, e isso doía-nos na carne. Às segundas e quintas, dias de audiência na comarca, descia o poviléu do monte a pleitear”.

Vitorino Nemésio – in Corsário da Ilhas” – Bertrand 1956 e in Boletim Verdelho n. 9, Ano 2005


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Quando os contentores eram pipas



Por: Francisco dos Reis Maduro-Dias

Protegida por promontório rochoso que define, do outro lado, ainda mais para nascente, os contornos da baía das águas, há uma pequena reentrância abrigada, encovada, metida quase debaixo do braço da rocha que lhe fica em cima.

Chama-se Porto das Pipas e fica a nascente da baía da baía de angra. A gravura mostra como seria cerca de 1590.

Para ali descia – e desce – uma das ladeiras que ligam a cidade e o mar.

Procurar o começo do uso do nome é tarefa ainda não completada. No entanto, sabe-se que, pouco tempo volvido do inicio do povoamento, já era assim que o chamavam e que ficava por ali, entre outras coisas, um forno de cal.

Ao tempo, o espelho de mar fronteiro a Angra aparecia grande aos navegadores e gente do mar. Tão grande que o organizaram e deram nomes: Porto das Pipas, cais da Cidade, Prainha, Portinho Novo.

Embarcadouro natural dos mais abrigados, terá começado a ser usado pelos Provedores das Armadas como seu porto de carga e descarga já que ficava, ladeira abaixo, logo ali à mão quem saía das casas dos Remédios.

Embarcadouro quase natural, dos mais protegidos da baía, é objecto de correspondência vária conhecida do público através dos Anais da Ilha Terceira de Drumond. Ali se lê, por exemplo, que El-rei D. Sebastião, mandara a Angra Fernão Cabral, fidalgo de sua casa, para ver, juntamente com o corregedor, um porto de que tivera notícia, chamado dos dois paus, onde comodamente se poderiam recolher alguns navios em tempo de tormenta; E porque haviam obras a fazer, bastariam, dado o pouco custo, as penas de dinheiro em que, entretanto haviam sido condenadas algumas pessoas das ilhas.

Continua El-Rei dizendo que recebera agora carta dos juízes e vereadores de Angra os quais, juntamente com Fernão Cabral, o corregedor e João da Silva do canto (na altura Provedor das Armadas) afirmavam ser melhor obra a que se poderia fazer no porto “a que se chama das pipas”.

Chamavam ainda a atenção os autores da carta para a necessidade de se construir um forte para defesa dela e do seu porto evitando que acontecesse alguma afronta e dispunham-se a pagar a diferença com as suas “fazendas”.

Dispões El-rei que a obra se faça, já que assim lhe recomendam, mas pede desenhos, estipula que também a cidade deve participar nos gastos sem que o rei se afaste da sua participação “conforme avaliação”, e determina que não se faça “cousa alguma” antes de vistos os desenhos, garantindo o financiamento e enviadas as respectivas autorizações.

Foi sendo feito o porto “a que chamam das pipas”, depois veio o castelo e, pelos muitos vendavais não há século em que a documentação seguinte não fale de obras de reparação, manutenção ou melhoria.













Azulejos do lambrim da escadaria do Palácio Bettencourt, actualmente BPARAH.


Porto das Pipas que eram os contentores da época, havendo barricas de sal, de carne seca, de água, vinho e aguardente, de biscoito (de muito biscoito) e bolacha que é mais uma espécie de “vésperas” de S. Jorge do que as bolachinhas da venda.
Tudo reabastecimentos necessários aos navios que ali passavam a caminho da Europa. Tudo coisas que ao Provedor das Armadas competia providenciar para bem dos que aqui chagavam.

(Para os que não sabem, o porto dos dois paus era o que hoje conhecemos como Cais da Figueirinha).
Tinham razão o que enviaram a carta a El-rei.
Para quem a quiser ler e ao mais que ali se diz sobre a muralha do mar, é ver as páginas 585 e seg. do Volume I dos Anais da Ilha Terceira.
Melhor ainda, apesar do português arcaico, será pegar no livro ou fotocópias dele e ir ali abaixo ao mar, olhar em volta e ver, depois de ler.)

In Diário Insular, 14/15. 6. 1997


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Os Açores na convergência das rotas mundiais c.1600

Os Açores na convergência das rotas mundiais c.1600 é título da conferência, do Ciclo OCEANO DE HISTÓRIAS - NOVOS CAMINHOS DA HISTÓRIA DO ATLÂNTICO, a ter lugar, às 18 h00 do próximo dia 21 de Janeiro (amanhã ) na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, pelo Doutor Angelo Cattaneo, Investigador do Centro de História de Além-Mar.

O ciclo de conferências Oceano de Histórias: novos caminhos da história do Atlântico visa ilustrar alguns dos rumos actuais da historiografia, buscando divulgar uma nova perspectiva sobre a história do atlântico português e, em particular, do papel das ilhas nos Açores nas configurações geoestratégicas mundiais.






quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

The magic Hang in Azores


O Hang mágico no Algar do Carvão aqui

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Os Biscoitos, a vinha e o vinho



Por: Francisco dos Reis Maduro-Dias

De tanto falar na “ cidade – património”, de tanto olhar para as muitas e interessantes coisas que nela existem, corremos o risco de perder de vista o que há em volta.

Angra, a cidade que chegou a ser a “cabeça das ilhas terceiras” não o foi por obra e graça do seu porto ou de uma ou outra característica das suas gentes e lugares.

Como qualquer cidade, Angra somou, amalgamou e deu força a factos, energias e coisas que por ela passavam e, muitas vezes, foi “gente de fora” aqui chegada (e bem recebida) quem impulsionou para mais adiante, a cidade, as suas gentes, seu viver.

Qualquer herança – e a cultura não foge a isso – resulta de um acumular consciente e inconsciente de bens, jeitos de fazer as coisas, maneiras de ver, e o grau de consciência que tivemos dessa herança será sempre a escala de medida da nossa capacidade de construir o futuro.

Vem isto a propósito doutro lugar desta Ilha Terceira, os Biscoitos, onde importa a herança que lá se guarda, não como relíquia de passado mas como possível e desejável de desenvolvimento sustentado.

Primeiro convirá deixar claro que os Biscoitos, só por si, merecem ao tratamento que qualquer lugar do mundo merece: o melhor. No entanto, existem valores complementares que podem ser aproveitados, dando Angra um contexto (histórico, cultural, económico) e recebendo dos Biscoitos outro (também histórico, cultural, económico).

Para nós, que aqui vivemos todos os dias, aqueles quadradinhos de pedra são, quando muito à força doutros o dizerem, “bonitinhos”.

No entanto os Biscoitos são (por enquanto e ainda) um exemplo raro de aclimatação de gente e de uma cultura agrícola especial a vitivinicultura.


Para nós, habituados a emigrar porque a terra era demasiadas vezes madrasta, o retorno a esse mundo, construído pedra a pedra, com muito esforço e sabedoria é impossível de aceitar, porque, senão, nem a própria emigração se justificava.

Para nós, acostumados, parece que desde sempre, a copiar os outros, só porque os outros o dizem ainda mantemos alguns pedaços dos Biscoitos, e, mesmo assim, vamos fazendo umas “dentadinhas” aqui e ali, com mais uma e outra construção.

Num tempo em que as fronteiras desaparecem e as economias se querem renovadas, em que a procura de novos produtos, baseados tanto quanto possível na raridade e na qualidade, é cada vez mais intensa e esforçada, divertimo-nos a pensar que os biscoitos são “apenas” os Biscoitos.

Em muitos lugares deste mundo, sem nada de seu para produzir e vender, comunidades houve que criaram produtos do nada ou do quase nada e que agora (apenas dez ou quinze anos passados) já afirmam ser um produto tradicional.


Numa lagoa de leite e manteiga como é a União Europeia, limitados como somos, a luz no fundo do túnel poderia ser a da recuperação das vinhas, a da análise de métodos e eventual introdução doutros, enfim, poderia e deveria pensar-se no vinho dos Biscoitos como produto a acarinhar e desenvolver.


Biscoitos só existem estes no planeta Terra, só aqui o ecossistema é este, fazendo parte da linda rede de memória do vinho Mediterrâneo que existem espalhadas pelos Açores (Pico, Graciosa, Santa Maria, S. Jorge, etc.).

Se tivermos vistas largas e atenção aos contextos, longe de ser passado, o vinho dos biscoitos é futuro.
E do bom.

Post scriptum

1. A propósito de vinhos recorde-se que quem se apercebeu realmente das qualidades do vinho dos Douro foram os ingleses, que vieram, se instalaram das qualidades do vinho do Douro foram os ingleses, que vieram, se instalaram, forçaram o tratado de Methuen (que, como se sabe, favorecia a vinda de vinho do Porto à Inglaterra, em troca de manufacturas inglesas, o que os tornava compradores e vendedores quase em circuito fechado) e aprimoraram o que era “apenas2 um vinho de muito boa qualidade. Nós fomos atrás…

2. A propósito da nossa tendência para achar os outros mais certos do que nós poderá lembrar-se que as ilhas Molucas foram inicialmente chamadas malucas pelos portugueses. Ao chegarem lá os ingleses apenas transcreveram esses sons para a sua língua, e, para isso usaram o “o” já que o “a” daria um som de “ei”. Não demorou muito tempo para os nossos mapas passarem a ter as malucas designadas por Molucas, copiando os mapas ingleses.


In Diário Insular - Molduras de Contexto (1)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

V - Origem e Evolução das Confrarias


Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho

(Continuação do anterior)

Por: João Carvalho Ghira *

Só mais de uma década passada surge outra confraria, tendo-se nos últimos anos assistido então a uma sã proliferação deste tipo de associação, a última das quais, creio que a 12ª, foi na ilha Terceira a Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos.

Enquanto umas estão directamente ligadas a uma região produtora, a uma determinada denominação outras abarcam a generalidade do bom Vinho português e outras ainda retomam o princípio da exclusividade profissional dos confrades como é o caso da dos Jornalistas Enófilos.

É inegável que o ressurgimento das confrarias, particularmente nos moldes actuais, se pode revelar de manifesta acção em favor do Vinho. Numa época em que cada vez mais forte é a concorrência de outras bebidas sucedâneas, este movimento poderá ter um papel preponderante para a manutenção da civilização do Vinho.

Passados que foram os tempos em que a tónica assentava na quantidade, em que à pergunta de branco ou tinto e resposta era muito, em que importava consumir bastante porque “beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses”, assistiu-se nos tempos mais próximos a uma redução considerável de consumo, por vezes como única alternativa ao cumprimento de disposições legais vigentes em que o Vinho será o grande lesado, mas simultaneamente a uma aprofundamento dos conhecimentos, seja do que se bebe, seja particularmente de como se bebe. O interesse em se conhecer a origem, o poder-se aprofundar-se e apreciar individualmente ou discutir em grupo as características do néctar adequado ao momento, a forma como ele foi apreciado, qualificado ou classificado por outros, começou a entrar na rotina daqueles que ao vinho dedicam uma particular atenção, direi mesmo uma devoção.

Se os clubes de vinho, se as tertúlias báquicas poderão aqui desempenhar um papel de ajuda aos adeptos desta causa, não há dúvida que as confrarias báquicas potenciarão todo este movimento, conferindo-lhe a possibilidade de conciliação do aspecto cultural com o social, o técnico e consequentemente também o económico, resultado de um enaltecimento da qualidade, da difusão dos vinhos que respondem positivamente a este quesito e do incentivo a um consumo regular e moderado, esclarecido. Contribuindo decididamente para aquela campanha que o prestigiado técnico e enófilo Artur Pinho, em obra publicada recentemente, considera uma campanha de concretização imprescindível e urgente, visando a elucidação das vantagens higiénicas, sociais e civilizacionais do consumo moderado e exigente do vinho de qualidade, tanto quanto possível personalizado e da autêntica responsabilidade de quem o produz e ou comercializa.

Se as confrarias actuais se inspiram em tempos antigos será para não deixar romper a ligação que nos une ao passado. Respeito filial, nostalgia de história, gratidão pelos legados de virtudes morais da nossa civilização latina. Também hoje, citando Louis Orizet, no prefácio do “Le Grand Livre des Confréries des Vins de France” pelos fundamentos secretos dos seus estatutos elas querem-se moralizadoras, humanas, justiceiras e filosofas.



E se a forma estatutária de expressão é diversa, os propósitos são idênticos. Na generalidade, as nossas confrarias báquicas defendem o vinho e os consumidores, fazem a apologia da qualidade e propõem-se divulgar a excelência de uma bebida que, já foi dos deuses e será sempre dos homens que desejam ser como deuses: senhores da sabedoria, donos do amor, amigos uns dos outros.

* Alocução proferida pelo Grão Mestre da Colegiada dos Enófilos de São Vicente, na II Festa da Vinha e do Vinho dos Biscoitos - Ilha Terceira – Açores.

Texto publicado na Revista de Vinhos ano 1993

domingo, 16 de janeiro de 2011

IV - Origem e Evolução das Confrarias

Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho

(Continuação do anterior)




E é já em pleno século XX que vimos encontrar o ressurgimento das confrarias, retomando aquela designação, com diversos aspectos em comum, mas com objectivos distintos.

É o surgimento das confrarias ligadas normalmente a uma região produtora de vinho e que, também normalmente sob a protecção de um santo, desenvolvem um movimento social, cultural e até certo ponto económico à volta do vinho.

A recordação de uma organização que velava pela qualidade dos vinhos, ou ainda o papel do companheirismo no cuidado da perfeição do oficio, foram motivos de inspiração que associados à existência de sociedades báquicas antigas levaram ao aparecimento em 1934, em França, da “Confrerie des Chevaliers du Tastevin”, verdadeira instituição regional com expansão mundial, instrumento de publicidade dos vinhos da Borgonha. Ainda que numa época difícil, de crise internacional e num ano de abundante produção, ela começou por participar activamente na promoção da qualidade. E é com este espírito também imbuído de uma convivência franca em actos por vezes solenes, outros de um certo humor à boa maneira francesa, que hoje em França o número de confrarias báquicas ultrapassa a centena.

Também em Portugal, na esteira deste movimento surge em 1965 a Coligida de São Martinho. Como motivação para a sua constituição o texto introdutório aos estatutos é extraordinariamente claro e elucidativo, razão que me leva a citá-lo em parte: “a alimentação – as comidas, as bebidas e as formas de as ingerir – é um elemento cultural que pode servir como distintivo da maneira de viver.

Os homens sempre desejaram comer e beber em companhia e desse desejo ancestral nasceu, nas sociedades civilizadas, a gastronomia, que é a arte de escolher, preparar e combinar iguarias e bebidas.

Cada grupo social sujeito a certo “habitat” e mergulhado em determinado clima, fixou normas para a sua alimentação. De tal maneira que estas caracterizam não apenas uma cultura mas também um nível social.


O uso do vinho conta-se entre as principais características da alimentação dos povos que evoluíram em torno do Mediterrâneo e se prolongaram na actual Europa Ocidental.



Uma das essências da nossa civilização milenária, produto afeiçoado e aperfeiçoado por cinquenta gerações de europeus, merece o Vinho que em sua defesa ocorram quantos se julgam no dever de conservar e ampliar a cultura da Europa Ocidental.

Por estas e outras razões se impõe a criação entre nós de uma Associação que tenha por fim – não em nível técnico, nem comercial, mas social – a defesa e valorização dos vinhos nacionais”.

Finalizando a referência a esta confraria cito dos estatutos os principais objectivos da mesma: valorizar a qualidade dos vinhos portugueses e promover a sua defesa e expansão.


(continua)

sábado, 15 de janeiro de 2011

III - Origem e Evolução das Confrarias

Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho

(Continuação do anterior)





Esta instituição que no conceito medieval, segundo Marcelo Caetano, era, em sentido lato, uma associação voluntária em que se agrupavam os irmãos para um auxílio mútuo, tanto no campo restrito dos mesteres levado ao aparecimento das primeiras autoridades corporativas e à regra do arruamento profissional.

Admitindo-se uma certa identidade entre estas associações e as corporações temos de admitir um certo proteccionismo e estes grupos, aos quais se outorgou o direito de reservar aos seus membros o exercício da profissão a que se dedicavam.

Se por um lado os primeiros agrupamentos de artesãos trabalhadores urbanos que se constituíram nos fins do séc. XI em confrarias se distinguiam pelas suas tendências piedosas e caritativas, não se pode deixar de considerar que numa fase mais avançada foram os poderes públicos que desempenharam um papel de grande destaque, o que, portanto, justifica, segundo Henri Pirenne, mercê da acção dos factores do poder local e associação voluntária, a origem das corporações.

Chegamos portanto a um ponto em que a natureza da instituição se afasta daquela que a caracterizará quando do seu ressurgimento nos tempos mais recentes, pelo que ultrapassaremos o período que de certa forma inclui o declínio deste tipo de instituição.



Importa contundo, ainda que de uma forma muito sucinta, referir como possíveis causas para o desaparecimento da grande maioria das confrarias não só as transformações que a nível económico ocorreram com a implantação do capitalismo e do mercantilismo, como também os abusos a que deram ensejo com as celebrações, sob pretextos piedosos, de banquetes e espectáculos que terminavam às vezes em tumultos e homicídios, levando a que Francisco I, rei de França, as tivesse proibido, assim como outros soberanos, admitindo contudo que a Igreja as regulamentasse. Por esse facto, já mais tarde com a implementação do regime liberal não podemos deixar de considerar, ainda que indirectamente, para as confrarias que ainda existiam, e pelas suas ligações à Igreja, a acção que o decreto de 1832 provocou ao extinguir as Ordens religiosas.


(continua)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

II - Origem e Evolução das Confrarias

Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho

(Continuação do anterior)




Os objectivos de qualquer confraria nesta época repartiam-se normalmente por três sectores: ajuda, sociabilidade e funções religiosas.

O tipo de ajuda mais generalizado nas confrarias é a ajuda mútua ou interna, que constitui a essência destas instituições. Os compromissos normalmente integravam o quotidiano do homem medieval, mas entre as circunstâncias mais comuns que solicitavam a ajuda dos irmãos conta-se sem dúvida a pobreza, que acarreta a uma situação de fraqueza, de dependência e de humilhação. Por isso os companheiros deviam ajudar o confrade pobre a cuidar da sua herdade, vinha, seara, ou da sua casa com a prestação de um dia de trabalho ou jeira.

Na área da sociabilidade e convívio inscreviam-se em primeiro lugar as reuniões periódicas ou cabidos, embora as refeições comunitárias (colações e banquetes) constituíssem o aspecto mais importante nesta área. A refeição mãos simples, ou colação de vinho e fruta, era frequente nas vigílias dos defuntos e era oferecida pela família dos mesmos, ou pela confraria quando se tratasse de confrades pobres. Por sua vez os banquetes, designados por mesas, jantares ou bodos, eram anuais e tinham lugar no mesmo dia do cabido geral ou noutra data estabelecida. Os alimentos neles consumidos eram o pão, o vinho e a carne, de preferência de porco. Estas iguarias eram compradas, quer à custa da confraria, quer à custa dos confrades, quanto aquela não possuía rendimentos suficientes.

Contudo, na essência destes repastos, há uma natureza algo contraditória. Se muitos deles estão exclusivamente reservados a confrades, não podendo levar ninguém de fora a tomar parte neles, nem sequer os filhos, a menos que fossem de mama, havendo mesmo severas sanções para quem infringisse a regra, noutros casos os banquetes tem um carácter inteiramente aberto. À partida este bodo aberto parece estar despido de finalidades caritativas e cumprir simplesmente uma função social de redistribuição, do mesmo modo que os “Impérios” açorianos permanecem à margem daquelas finalidades, ainda segundo João Leal na obra já citada.

Na regulamentação das refeições comunitárias encontra-se ainda outra contradição que reside no facto de em certas confrarias o banquete ser imposto como dever, sendo severamente punido aquele que faltar, enquanto que noutras a participação é entendida como um direito.

São estas tendências contraditórias que dão à confraria como instituição um valor sincrético e um significado complexo.

A prática do banquete fechado, reservado a confrades, lembrará então um festim pagão, em que a embriagues e os excessos alimentares podiam conduzir a desmandos. Por isso os compromissos normalmente previam que se alguém, estando à mesa, travasse rixa ou derrubasse e entornasse o que estava em cima, fosse obrigado a dar uma outra mesa de pão, vinho e carne como a que estragou. Esta intenção moderadora pode em certos compromissos ser mais dura, levando a que as rixas entre confrades fossem julgadas em cabido mediante uma dupla função: punitiva e conciliatória.

Serão portanto todas estas características que fazem da confraria medieval portuguesa não apenas um centro de convívio mas também uma instituição de paz e um lugar de refúgio em tempos conturbados.


(continua)



quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Origem e Evolução das Confrarias

Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho




















Em termos genéricos uma confraria define-se como uma associação, entendendo-se, por associação uma reunião voluntária de pessoas que perseguem um objectivo comum, permanente, num sistema de relações recíprocas. Ainda que hoje seja elevado o número de confrarias, foi na Idade Média que se pode considerar que tiveram o seu grande incremento; não origem, porquanto tiveram por antecedentes os “collegia” romanos e as “gildas” germânicas, ambas com a doutrina cristã como fermento ideológico e psicológico dinamizador.

***

Dos Diversos tipos de “colégios” romanos que na Hispânia datam maioritariamente dos séc. II e III, destaco os colégios profissionais que quando integrados por profissionais de reconhecida utilidade eram protegidos pelos poderes municipais. Tinham estes colégios como objectivos a defesa dos seus interesses comuns e festejavam a deusa Minerva no dia 19 de Março.

Como curiosidade, refiro ainda a característica geral de todos os colégios romanos que consistia na realização periódica de banquetes e a ligação a um patrono benfeitor, características que em grande parte das actuais confrarias se mantém.

Quanto à gildas germânicas, sinónimas de associações de homens livres, têm para nós pouco significado na medida em que elas apareceram e desenvolveram-se em regiões onde não existia tradição romana.


Em Portugal as confrarias mais antigas datam do século XII, multiplicando-se durante os séculos seguintes e florescendo na baixa Idade Média como reflexo da intensificação da piedade e da espiritualidade entre laicos.

Os compromissos, ou sejam os estatutos destas associações, registavam então em Portugal as designações de Confraria ou Irmandade. Confraria traduz uma familiaridade artificial e dum ponto de vista cristão implica a consanguinidade dos baptizados em Cristo. Quanto ao termo Irmandade que em Portugal substitui ou reforça o de Confraria, já em Castela assumiam significados políticos e mais tarde também fins administrativos, comerciais, de defesa e de ordem pública.

A identidade de significado dos termos é consubstanciada em diversos casos onde confraria é a distribuição de pão e carne que os confrades fazem no terreiro, ou ainda, designação de refeição comum.

Por sua vez, em diversos compromissos declara-se que o nome de irmandade só se justifica se houver refeição comum. É no fundo, segundo João Leal no seu trabalho “Império, povo e clero em Santa Bárbara”, o mesmo significado especifico que o vocábulo irmandade ainda se mantém nos Açores, onde a irmandade constitui por assim dizer a chave de um império. A expressão designa tanto um conjunto de ofertas alimentares feitas pelo imperador, como um conjunto de ofertas, sobretudo alimentares, feitas ao imperador. As maiorias das confrarias tiveram origem e fins religiosos, e muitas delas exerciam uma espécie de tutela social sobre determinados grupos profissionais, havendo noticias já nos séculos XII e XIII de confrarias de artesãos em algumas cidades portuguesas, segundo Ângela Rocha Beirante, em “Confraria medievais portuguesas”, trabalho a que recorremos em diversas referências nesta alocução. Eram confrarias dos pedreiros, carpinteiros, curtidores, sapateiros e alfaiates, tendo então todas por tronco comum a mutualidade e fraternidade. À confraria medieval era dado espaço geográfico, fazendo-se a entrada na confraria publicamente através de juramento de compromisso, generalizando-se mais tarde também o acto de inscrição no livro dos confrades e o pagamento de uma jóia em dinheiro, em produtos alimentares (animais, ovos, cereais ou vinho) ou em cera.



(continua)



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Confraria do Ananás entroniza Carlos César


Realizou-se no dia 9 de Janeiro pp o I Grande Capítulo da Confraria do Ananás, que decorreu no Salão Nobre da Junta de Freguesia da Fajã de Baixo, concelho de Ponta Delgada, ilha de São Miguel.

Durante a cerimónia foram entronizadas várias personalidades e entre estas o Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, referindo que o surgimento desta Confraria é mais “um instrumento para a defesa, valorização e promoção desta cultura emblemática dos Açores”.

Refira-se que o Presidente Carlos César é também Confrade das Confrarias Báquicas: do Vinho Verdelho dos Biscoitos (vídeo), dos Jornalistas dos Vinhos Portugueses. E das Confrarias Gastronómicas: do Queijo São Jorge, Atlântida do Chá, dos Gastrónomos dos Açores, das Sopas dos Açores, do Chá Porto Formoso e da Panela ao Lume.

A pressão imobiliária está a ameaçar a cultura do ananás na ilha de S. Miguel


Leitura heráldica do Brasão de Armas dos Merens de Távora


As peças heráldicas constantes do rótulo do vinho tinto produzido na Candelária (ilhaTerceira), são semelhantes às utilizadas posteriormente no Ex-Líbris do 1º Visconde de Meireles, Francisco de Meneses Meireles do Canto e Castro, título concedido pelo Rei D. Carlos em decreto de 9 de Maio de 1904.

Esse Ex-Líbris vem representado na excepcional obra de Sérgio Avelar Duarte, intitulada “Ex-Líbrís Portugueses Heráldicos, Livraria Civilização Editora, Porto, 1990, pág. 160, com a seguinte descrição simplificada e sem cor dos esmaltes:

Escudo esquartelado. I- Castro (de seis arruelas)II- Meireles III- Távora IV – Canto. Sobre o todo Castro, mal representado; todavia, no rótulo a representação em sobre o todo é do Melo. Coronel de Visconde. Timbre: Meireles.

São estas as famílias representadas no brasão, quer do rótulo quer do ex-líbris.

Portanto e de uma simples, os Castros são representados por seis arruelas; o Meireles por uma cruz florenciada e vazia; os Távoras (mal representados) por cinco faixas ondadas e os Cantos (de Pero Anes do Canto) um baluarte com quatro bombardas entre as ameias, sustido por uma ponta de prata.

Omitem-se aqui os esmaltes para não confundir, dado que o mesmo desenho entre si devido às cores dos esmaltes. Assim como, também, há ramos de mesma família com brasões completamente diferentes.

Temos aqui um desses casos típicos, pois observando-se o segundo quartel, o de Meireles, ver-se-á que a sua representação se faz através de uma cruz florenciada e vazia do campo e por timbre um alão sentado; enquanto outros ramos de família Meireles trazem por armas seis crescentes invertidos, postos 2,2 e2 como timbre um alão sem coleira, sentado com uma pata no ar.

Ora os senhores da Candelária trazem no seu brasão de armas no segundo quartel, o de Meireles, precisamente a cruz florenciada e vazia que representa para os heraldistas as Armas de Meira, como se disse também usada por alguns ramos de apelido Meireles e como timbre uma galgo ou alão de negro com coleira, não na posição de sentado, como é em geral representado, mas correndo.

De resto, em heráldica nem tudo é rigor, por vezes há erros e por vezes há o belo prazer criativo e estético do artista que elabora o Brasão.

Apenas mais um pormenor: a ausência da “diferença” – peça diminuta posta no canto superior esquerdo do escudo no primeiro quartel – destinada a identificar os seus possuidores. Trata-se de um símbolo fundamental em heráldica, significando também posse, a obrigação e direito consuetudinário quando devidamente registado na chancelaria régia.
Todavia, há sempre excepções à regra e poderosas famílias de fidalga antiguidade, por vezes, não se submetiam às normas vigentes, antes, pelo contrário, opunham-se-lhes. – V.M.

In Revista Verdelho n.º 7 ano 2002


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Candelária - Um vinho digno da mesa do Rei (3)

(continuação do anterior)



Por: Valdemar Mota *

Em dois tombos com anotações e lembranças dos Senhores da Quinta Candelária, com mapas dos rendeiros, registos de propriedades rústicas e urbanas, arrendamentos, pensões, benfeitorias e bens adquiridos, enumeração de foros, datas da liquidação do trigo, rendas da Salga (Quinta do Senhor Bom Jesus), dívidas dos rendeiros, títulos e certificados, casamentos e óbitos de familiares, encontrei pormenorizados apontamentos da venda de podas dos matos, bananas aos cachos, tremoço. Laranjas, favas, nêsperas (com a indicação deste fruto ter sido introduzido na Terceira cerca de 1860) e trigo, muito trigo, não só vendido a granel, como para exportação. Mas, num espaço entre os anos de 1852 e 1873, de vinhedos nem vislumbre. Isto é, nos dois tombos não há referência mínima que seja a esta actividade. E, todavia, ela existiu e subsistiu até bem mais tarde e já na década de cinquenta ou sessenta do século que há pouco findou, ainda havia vinhas tratadas pelos rendeiros da propriedade e vasilhame na antiga adega. Desse vinho, branco ou tinto, não me lembro, fiz prova algumas vezes nos passeios Quinta com o procurador, meu compadre Diogo Forjaz, nas belas tardes de Verão ou pelas touradas no porto de S. Mateus, merendando familiarmente sob o abrigado caramanchão, de onde se apreciava o soberbo arraial e a alegria festiva dos improvisadores capinhas.

No entanto. É perfeitamente admissível, pela coincidência cronológica, que as vinhas da candelária tenham sido apanhadas pela filoxera que despontou nos estados Unidos e teve rápida repercussão devastadora nas vinhas europeias, causando gravíssimas consequências na viticultura de muitos países.

Com efeito, esse estado calamitoso deu-se num período compreendido entre os anos 1858 e 1863, com a importação de videiras norte-americanas para a Europa. A terrível praga assolou primeiro a França, mas em breve cobrindo também Portugal, onde, vinhos de produções típicas e afamadas como as de Carcavelos, perder-se-iam para sempre. É, por isso, natural e lógico que o vinho tinto da Candelária, se existiu ali antes da funesta praga irremediavelmente se perdeu, a menos que alguns pés francos tenham miraculosamente sobrevivido à filoxera que ao que se diz atacou as vinhas da Terceira por volta de 1870; se, depois desse período calamitoso, então o repovoamento das vinhas com castas novas terá surgido por volta de 1880/1890. O vinho que foi servido no banquete real da Terceira terá com muitas possibilidades pertencido a esta última época.

No que não há qualquer dúvida é que a Quinta da Candelária, na ilha Terceira, produzia e engarrafava vinho tinto de qualidade apto a ser servido em qualquer circunstância, como aquele Tinto Velho, supostamente de cinco anos, que regou o realengo repasto em 1901, a fazer fé no rótulo com a data escrita a lápis de 1896, se é que o lote servido foi de facto daquele ano.


* Escritor e investigador da história terceirense

In Revista Verdelho – ano VII n.º7 ano 2002