sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Quando os contentores eram pipas



Por: Francisco dos Reis Maduro-Dias

Protegida por promontório rochoso que define, do outro lado, ainda mais para nascente, os contornos da baía das águas, há uma pequena reentrância abrigada, encovada, metida quase debaixo do braço da rocha que lhe fica em cima.

Chama-se Porto das Pipas e fica a nascente da baía da baía de angra. A gravura mostra como seria cerca de 1590.

Para ali descia – e desce – uma das ladeiras que ligam a cidade e o mar.

Procurar o começo do uso do nome é tarefa ainda não completada. No entanto, sabe-se que, pouco tempo volvido do inicio do povoamento, já era assim que o chamavam e que ficava por ali, entre outras coisas, um forno de cal.

Ao tempo, o espelho de mar fronteiro a Angra aparecia grande aos navegadores e gente do mar. Tão grande que o organizaram e deram nomes: Porto das Pipas, cais da Cidade, Prainha, Portinho Novo.

Embarcadouro natural dos mais abrigados, terá começado a ser usado pelos Provedores das Armadas como seu porto de carga e descarga já que ficava, ladeira abaixo, logo ali à mão quem saía das casas dos Remédios.

Embarcadouro quase natural, dos mais protegidos da baía, é objecto de correspondência vária conhecida do público através dos Anais da Ilha Terceira de Drumond. Ali se lê, por exemplo, que El-rei D. Sebastião, mandara a Angra Fernão Cabral, fidalgo de sua casa, para ver, juntamente com o corregedor, um porto de que tivera notícia, chamado dos dois paus, onde comodamente se poderiam recolher alguns navios em tempo de tormenta; E porque haviam obras a fazer, bastariam, dado o pouco custo, as penas de dinheiro em que, entretanto haviam sido condenadas algumas pessoas das ilhas.

Continua El-Rei dizendo que recebera agora carta dos juízes e vereadores de Angra os quais, juntamente com Fernão Cabral, o corregedor e João da Silva do canto (na altura Provedor das Armadas) afirmavam ser melhor obra a que se poderia fazer no porto “a que se chama das pipas”.

Chamavam ainda a atenção os autores da carta para a necessidade de se construir um forte para defesa dela e do seu porto evitando que acontecesse alguma afronta e dispunham-se a pagar a diferença com as suas “fazendas”.

Dispões El-rei que a obra se faça, já que assim lhe recomendam, mas pede desenhos, estipula que também a cidade deve participar nos gastos sem que o rei se afaste da sua participação “conforme avaliação”, e determina que não se faça “cousa alguma” antes de vistos os desenhos, garantindo o financiamento e enviadas as respectivas autorizações.

Foi sendo feito o porto “a que chamam das pipas”, depois veio o castelo e, pelos muitos vendavais não há século em que a documentação seguinte não fale de obras de reparação, manutenção ou melhoria.













Azulejos do lambrim da escadaria do Palácio Bettencourt, actualmente BPARAH.


Porto das Pipas que eram os contentores da época, havendo barricas de sal, de carne seca, de água, vinho e aguardente, de biscoito (de muito biscoito) e bolacha que é mais uma espécie de “vésperas” de S. Jorge do que as bolachinhas da venda.
Tudo reabastecimentos necessários aos navios que ali passavam a caminho da Europa. Tudo coisas que ao Provedor das Armadas competia providenciar para bem dos que aqui chagavam.

(Para os que não sabem, o porto dos dois paus era o que hoje conhecemos como Cais da Figueirinha).
Tinham razão o que enviaram a carta a El-rei.
Para quem a quiser ler e ao mais que ali se diz sobre a muralha do mar, é ver as páginas 585 e seg. do Volume I dos Anais da Ilha Terceira.
Melhor ainda, apesar do português arcaico, será pegar no livro ou fotocópias dele e ir ali abaixo ao mar, olhar em volta e ver, depois de ler.)

In Diário Insular, 14/15. 6. 1997


Sem comentários: