Os “Ladrilhos” da Terceira
"Significado especial tem, na ilha Terceira, a palavra LADRILHO, pois a definição que os dicionaristas os apontam situa-se apenas na peça rectangular, de barro cozido, a que vulgarmente se chama tijolo, não exprimindo em nada a ideia que, desde o século XVII pelo menos, anda ligada a esta palavra, tendo-a como sinónimo de “passeio”, faixa lajeada ou empedrada que margina os arruamentos, destinada à circulação de peões.
É fácil de explicar a adopção do termo no sentido indicado, se considerarmos a maneira como na cidade de Angra eram pavimentados os passeios das ruas até fins do século XX. Acúrcio Garcia Ramos, disso nos dá conta na sua» Notícia do Arquipélago dos Açores» (1869), dizendo, a pág. 69:
«É regularmente disposta, com ruas – de boa casaria – em linhas rectas, conservando entre si paralelismo, largas, bem calçadas e com passeios laterais de lagedo».
Conhecemos alguns deles que se mantiveram lajeados até aos começos do actual século, como sejam os que há menos de vinte anos, havia nas ruas Príncipe de Mónaco (Rocha), Jesus, Mota, João Vaz Côrte-Real (
Marquês), Garoupinha, Miragaia e na
Ladeira do Castelo onde ainda existem uns restos já com bastante desgaste a assinalar o tempo decorrido. Eram constituídos por lajes de cantaria, unidas umas às outras com argamassa, e daí certamente, pela forma rectangular idêntica à dos ladrilhos, assim foram designados no conjunto.
Também na «Reforma das Posturas do Concelho de Angra, em 1955», publicada com a introdução e notas do Dr. Luís Ribeiro, no Boletim do I.H.I.T. n.º9, lê-se:
«-Nenhum carreiro leve os carros por syma dos ladrilhos da cidade e quem o contrário fizer pague de couma douis mil reis»
E nas «Posturas da Câmara Municipal de Angra, de 1788», igual referência se encontra, neste precisos termos:
«… O carreiro que vier a ella com o carro andara sempre deante dos bois, e pelo meyo das ruas, ou dos caminhos, de forma que nunca passem po sima dos ladrilhos com os ditos carros, ou bestas, com pena de quinhentos reis, por cada huma das ditas prohibiçoens».
As lajes porém não pavimentavam apenas os passeios das ruas. Eram igualmente utilizadas nos portões (espaço compreendido entre a porta da rua e a escada da casa), vestíbulos e pátios interiores das casas solarengas, até fins do século XVII, havendo ainda na cidade alguns exemplares que o bom censo dos proprietários conserva e de que o átrio do Palácio Bettencourt, onde em hora feliz ficou instalado o Arquivo Distrital, é espécime notável a assinalar, como a casa do Coronel Silveira, na rua do General Carmona, a de Ilídio Mourato na rua da Sé e, na via pública, o Pátio da Alfandega e o Adro de S. Francisco, este já em grande parte calcetado a paralelepípedos."
Convento de S. Gonçalo (rua da Rosa)
Saguão duma casa no Largo Prior do Crato
"A pedra geralmente empregada, boa de trabalhar por ser uma espécie de «tufo», de fácil extracção e pouco rija, era todavia sujeita a rápido desgaste, e talvez por isso e pelo desejo de melhorar a decoração dos pavimentos, no século XIX começaram a substitui-las por um empedrado especial, feito com pequenos seixos rolados do mar, pretos e brancos, em figuras geométricas ou desenhos decorativos, como se vêem nos saguões de algumas casas, tendo muitas delas marcada, ao centro, a data da construção, fechadas em artísticas cercaduras. São bons exemplares, ainda excelentemente conservados, o que existe na residência do Dr. Marcelino Moules, rua de Jesus, nº 99, e outros, por exemplo, nos prédios n.º 42, 73, 99, 121, 137, 141 e 15 daquela mesma artéria citadina, o do solar dos Condes do Rego Botelho, na rua Duque de Palmela, o da casa dos Carvalhais, na rua Sidónio Pais, nº 194, o da casa do Largo Prior do Crato n.º 37, todos idênticos aos da segunda metade do século findo."
Solar da Madre de Deus
"São notáveis também, a «passadeira» na entrada nobre do solar da Madre de Deus e a «roseta» que ainda se conserva no pequeno largo por detrás da Alfandega, frente à rua de S. João, na estrada 28 de Maio, hoje denominado da Estrela, devido à existência daquela «roseta», em forma de estrela, que o decora (Embora mantendo o mesmo desenho, foi reconstruída em paralelepípedos, também a preto e branco).
No adro da Sé o pavimento era misto, compreendendo empedrados de seixos a preto e branco que umas faixas lajeadas dividiam em rectângulos. Está hoje asfaltado, como os arruamentos que ladeiam o templo."
"Nos começos do século XVIII ou já no século XIX, começaram a adoptar na construção dos «ladrilhos» pequenos paralelepípedos de pedra, empregados depois no calcetamento de quase todos os passeios da cidade, à excepção daqueles que já estão no século XX, o feio e inestético cimento veio substituir, na febre de modernismo que tanto destrói e conspurca, onde o seu olhar aos inconvenientes da aplicação de certos materiais, onde o seu emprego, determinado certamente por critérios simplista, estaria em boa razão contra-indicado.
O facto de se substituir o lajedo pelos paralelepípedos, não alterou porém a designação primitiva e até, tanto o seu uso se generalizou, que na vizinha ilha de S. Miguel, pelo menos no primeiro quartel do século actual (século XX), a determinado doce sob a forma desses pequenos paralelepípedos, denominavam «Ladrilhos da Terceira», nome por que eram geralmente conhecidos.
Pouco cuidado tem havido na reposição dos antigos «ladrilhos», razão porque poucos se encontram com a regularidade do empedrado primitivo, o que é de lamentar, visto constituírem já uma característica da cidade.
E elas não são tantas, infelizmente, que permitam ou aconselhem desperdícios…"
In Frederico Lopes (João Ilhéu) – Ilha Terceira – Nota Etnográficas IHIT – Instituto Histórico da Ilha Terceira – Angra do Heroísmo, 1980
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