terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Os Biscoitos, a vinha e o vinho



Por: Francisco dos Reis Maduro-Dias

De tanto falar na “ cidade – património”, de tanto olhar para as muitas e interessantes coisas que nela existem, corremos o risco de perder de vista o que há em volta.

Angra, a cidade que chegou a ser a “cabeça das ilhas terceiras” não o foi por obra e graça do seu porto ou de uma ou outra característica das suas gentes e lugares.

Como qualquer cidade, Angra somou, amalgamou e deu força a factos, energias e coisas que por ela passavam e, muitas vezes, foi “gente de fora” aqui chegada (e bem recebida) quem impulsionou para mais adiante, a cidade, as suas gentes, seu viver.

Qualquer herança – e a cultura não foge a isso – resulta de um acumular consciente e inconsciente de bens, jeitos de fazer as coisas, maneiras de ver, e o grau de consciência que tivemos dessa herança será sempre a escala de medida da nossa capacidade de construir o futuro.

Vem isto a propósito doutro lugar desta Ilha Terceira, os Biscoitos, onde importa a herança que lá se guarda, não como relíquia de passado mas como possível e desejável de desenvolvimento sustentado.

Primeiro convirá deixar claro que os Biscoitos, só por si, merecem ao tratamento que qualquer lugar do mundo merece: o melhor. No entanto, existem valores complementares que podem ser aproveitados, dando Angra um contexto (histórico, cultural, económico) e recebendo dos Biscoitos outro (também histórico, cultural, económico).

Para nós, que aqui vivemos todos os dias, aqueles quadradinhos de pedra são, quando muito à força doutros o dizerem, “bonitinhos”.

No entanto os Biscoitos são (por enquanto e ainda) um exemplo raro de aclimatação de gente e de uma cultura agrícola especial a vitivinicultura.


Para nós, habituados a emigrar porque a terra era demasiadas vezes madrasta, o retorno a esse mundo, construído pedra a pedra, com muito esforço e sabedoria é impossível de aceitar, porque, senão, nem a própria emigração se justificava.

Para nós, acostumados, parece que desde sempre, a copiar os outros, só porque os outros o dizem ainda mantemos alguns pedaços dos Biscoitos, e, mesmo assim, vamos fazendo umas “dentadinhas” aqui e ali, com mais uma e outra construção.

Num tempo em que as fronteiras desaparecem e as economias se querem renovadas, em que a procura de novos produtos, baseados tanto quanto possível na raridade e na qualidade, é cada vez mais intensa e esforçada, divertimo-nos a pensar que os biscoitos são “apenas” os Biscoitos.

Em muitos lugares deste mundo, sem nada de seu para produzir e vender, comunidades houve que criaram produtos do nada ou do quase nada e que agora (apenas dez ou quinze anos passados) já afirmam ser um produto tradicional.


Numa lagoa de leite e manteiga como é a União Europeia, limitados como somos, a luz no fundo do túnel poderia ser a da recuperação das vinhas, a da análise de métodos e eventual introdução doutros, enfim, poderia e deveria pensar-se no vinho dos Biscoitos como produto a acarinhar e desenvolver.


Biscoitos só existem estes no planeta Terra, só aqui o ecossistema é este, fazendo parte da linda rede de memória do vinho Mediterrâneo que existem espalhadas pelos Açores (Pico, Graciosa, Santa Maria, S. Jorge, etc.).

Se tivermos vistas largas e atenção aos contextos, longe de ser passado, o vinho dos biscoitos é futuro.
E do bom.

Post scriptum

1. A propósito de vinhos recorde-se que quem se apercebeu realmente das qualidades do vinho dos Douro foram os ingleses, que vieram, se instalaram das qualidades do vinho do Douro foram os ingleses, que vieram, se instalaram, forçaram o tratado de Methuen (que, como se sabe, favorecia a vinda de vinho do Porto à Inglaterra, em troca de manufacturas inglesas, o que os tornava compradores e vendedores quase em circuito fechado) e aprimoraram o que era “apenas2 um vinho de muito boa qualidade. Nós fomos atrás…

2. A propósito da nossa tendência para achar os outros mais certos do que nós poderá lembrar-se que as ilhas Molucas foram inicialmente chamadas malucas pelos portugueses. Ao chegarem lá os ingleses apenas transcreveram esses sons para a sua língua, e, para isso usaram o “o” já que o “a” daria um som de “ei”. Não demorou muito tempo para os nossos mapas passarem a ter as malucas designadas por Molucas, copiando os mapas ingleses.


In Diário Insular - Molduras de Contexto (1)

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