Destaque para o papel das Confrarias Báquicas no enaltecimento e valorização do vinho
(Continuação do anterior)
Por: João Carvalho Ghira *
Os objectivos de qualquer confraria nesta época repartiam-se normalmente por três sectores: ajuda, sociabilidade e funções religiosas.
O tipo de ajuda mais generalizado nas confrarias é a ajuda mútua ou interna, que constitui a essência destas instituições. Os compromissos normalmente integravam o quotidiano do homem medieval, mas entre as circunstâncias mais comuns que solicitavam a ajuda dos irmãos conta-se sem dúvida a pobreza, que acarreta a uma situação de fraqueza, de dependência e de humilhação. Por isso os companheiros deviam ajudar o confrade pobre a cuidar da sua herdade, vinha, seara, ou da sua casa com a prestação de um dia de trabalho ou jeira.
Na área da sociabilidade e convívio inscreviam-se em primeiro lugar as reuniões periódicas ou cabidos, embora as refeições comunitárias (colações e banquetes) constituíssem o aspecto mais importante nesta área. A refeição mãos simples, ou colação de vinho e fruta, era frequente nas vigílias dos defuntos e era oferecida pela família dos mesmos, ou pela confraria quando se tratasse de confrades pobres. Por sua vez os banquetes, designados por mesas, jantares ou bodos, eram anuais e tinham lugar no mesmo dia do cabido geral ou noutra data estabelecida. Os alimentos neles consumidos eram o pão, o vinho e a carne, de preferência de porco. Estas iguarias eram compradas, quer à custa da confraria, quer à custa dos confrades, quanto aquela não possuía rendimentos suficientes.
Contudo, na essência destes repastos, há uma natureza algo contraditória. Se muitos deles estão exclusivamente reservados a confrades, não podendo levar ninguém de fora a tomar parte neles, nem sequer os filhos, a menos que fossem de mama, havendo mesmo severas sanções para quem infringisse a regra, noutros casos os banquetes tem um carácter inteiramente aberto. À partida este bodo aberto parece estar despido de finalidades caritativas e cumprir simplesmente uma função social de redistribuição, do mesmo modo que os “Impérios” açorianos permanecem à margem daquelas finalidades, ainda segundo João Leal na obra já citada.
Na regulamentação das refeições comunitárias encontra-se ainda outra contradição que reside no facto de em certas confrarias o banquete ser imposto como dever, sendo severamente punido aquele que faltar, enquanto que noutras a participação é entendida como um direito.
São estas tendências contraditórias que dão à confraria como instituição um valor sincrético e um significado complexo.
A prática do banquete fechado, reservado a confrades, lembrará então um festim pagão, em que a embriagues e os excessos alimentares podiam conduzir a desmandos. Por isso os compromissos normalmente previam que se alguém, estando à mesa, travasse rixa ou derrubasse e entornasse o que estava em cima, fosse obrigado a dar uma outra mesa de pão, vinho e carne como a que estragou. Esta intenção moderadora pode em certos compromissos ser mais dura, levando a que as rixas entre confrades fossem julgadas em cabido mediante uma dupla função: punitiva e conciliatória.
Serão portanto todas estas características que fazem da confraria medieval portuguesa não apenas um centro de convívio mas também uma instituição de paz e um lugar de refúgio em tempos conturbados.
(continua)
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