terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NEMÉSIO E OS VINHOS DA ILHA (2)

Por: Eduardo Ferraz da Rosa *

(continuação do anterior)

Praça Velha da freguesia dos Biscoitos. Vitorino Nemésio passando a cavalo no arraial duma toirada (inicio da década de 60 do século XX).


- e também desde aquele maravilhamento da Tourada e dos seus bulícios –

“Quinto domingo na Agualva;
Manuel Maria Brum!”
Vá fogo prò ar! Brindeiras
E tambores, turuntuntun!

- até às suas erguidas taças de profunda reminiscência –

Que lembro? Um sonho é pouco nas aradas,
Pão de alma não granou no estéril chão
E, a vinho, ponho à boca o coração.

- sempre em Vitorino Nemésio poderíamos detectar marcas dessa presença, nos mais diferentes contextos, esferas de realidade e mundos de linguagem.

3. Deixando, porém, para outra prova, ou mostra, tão longa e ampla degustação merecida e proveitosa, fiquemo-nos apenas por agora numa banqueta de lava, junto àquela mesma geografia histórica e humana que deixou bagos extremos em roda da Ilha Terceira, acabando por lacrar as saídas saudosas e as aconselhadas entradas limítrofes e comuns dos vinhedos e do próprio concelho nemesianos da Praia da Vitória…

- Na verdade, entre muitos dos muros da pedra vulcânica e da existência insular que lhe balizaram as vivências, as inspirações, o calor almado do coração açoriano e a profunda graduação oceânica do espírito, ali, sobremaneira vivenciados e significantes, encontramos pingos daquele Vinho que – do Porto Martim aos Biscoitos – é mansa festa, alegria e exclamado fascínio:

Ah, Porto Martim das uvas,
Baga de faia cheirosa,
Minha maçã redondinha,
Pedra negra preciosa!

Ora este Porto Martim e aqueles Biscoitos, por igual, são “lavas cobertas de vinhedo, de matinhos de faia e pitosporos”, aonde no passado se erguiam cedo “os filhos dos vinhateiros e lavradores da periferia do biscoito (nome do chão de pedra vulcânica onde, em currais, medra a vinha)”, mas hoje se levantam e entrecruzam novas e estrategicamente calculadas mobilizações sócio-económicas…, um pouco como aquelas que Nemésio não deixou, no seu tempo e a seu modo, de lamentar ver desabafar, como uma ameaçadora trituração implacável do nosso clássico viver antigo, enquanto “se vão desfazendo, como se fossem simples saibreiras, os velhos picos da ilha cobertos de trevinha e debruados de hortenses…”.

- Talvez por isso mesmo as vides histórico-literárias de Nemésio destilem ainda agora mais actuais e espirituosas graduações críticas do que na época dos seus primeiros frutos!

A 24 anos da sua morte – idade nobre para a qualidade de certos vinhos… -, a sua obra permanece pois, como casta privilegiadamente exposta, quando em temperatura crítica para fermentação cuidada – e sendo passada pelos cascos da mais genuína Açorianidade - , cada vez mais nimbada de luz e cor, e assim enfim animada do único sabor e saber que os verdadeiros Escanções podem apreciar, provando e servindo…

* Licenciado em Filosofia pela universidade Católica Portuguesa.
Assistente Universitário e Investigador.

Ilha Terceira
20 de Dezembro de 2001

In Revista Verdelho - Boletim da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos, n.º 6 , ano 2001


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