(continuação do anterior)
Por: Valdemar Mota *
Em dois tombos com anotações e lembranças dos Senhores da Quinta Candelária, com mapas dos rendeiros, registos de propriedades rústicas e urbanas, arrendamentos, pensões, benfeitorias e bens adquiridos, enumeração de foros, datas da liquidação do trigo, rendas da Salga (Quinta do Senhor Bom Jesus), dívidas dos rendeiros, títulos e certificados, casamentos e óbitos de familiares, encontrei pormenorizados apontamentos da venda de podas dos matos, bananas aos cachos, tremoço. Laranjas, favas, nêsperas (com a indicação deste fruto ter sido introduzido na Terceira cerca de 1860) e trigo, muito trigo, não só vendido a granel, como para exportação. Mas, num espaço entre os anos de 1852 e 1873, de vinhedos nem vislumbre. Isto é, nos dois tombos não há referência mínima que seja a esta actividade. E, todavia, ela existiu e subsistiu até bem mais tarde e já na década de cinquenta ou sessenta do século que há pouco findou, ainda havia vinhas tratadas pelos rendeiros da propriedade e vasilhame na antiga adega. Desse vinho, branco ou tinto, não me lembro, fiz prova algumas vezes nos passeios Quinta com o procurador, meu compadre Diogo Forjaz, nas belas tardes de Verão ou pelas touradas no porto de S. Mateus, merendando familiarmente sob o abrigado caramanchão, de onde se apreciava o soberbo arraial e a alegria festiva dos improvisadores capinhas.
No entanto. É perfeitamente admissível, pela coincidência cronológica, que as vinhas da candelária tenham sido apanhadas pela filoxera que despontou nos estados Unidos e teve rápida repercussão devastadora nas vinhas europeias, causando gravíssimas consequências na viticultura de muitos países.
Com efeito, esse estado calamitoso deu-se num período compreendido entre os anos 1858 e 1863, com a importação de videiras norte-americanas para a Europa. A terrível praga assolou primeiro a França, mas em breve cobrindo também Portugal, onde, vinhos de produções típicas e afamadas como as de Carcavelos, perder-se-iam para sempre. É, por isso, natural e lógico que o vinho tinto da Candelária, se existiu ali antes da funesta praga irremediavelmente se perdeu, a menos que alguns pés francos tenham miraculosamente sobrevivido à filoxera que ao que se diz atacou as vinhas da Terceira por volta de 1870; se, depois desse período calamitoso, então o repovoamento das vinhas com castas novas terá surgido por volta de 1880/1890. O vinho que foi servido no banquete real da Terceira terá com muitas possibilidades pertencido a esta última época.
No que não há qualquer dúvida é que a Quinta da Candelária, na ilha Terceira, produzia e engarrafava vinho tinto de qualidade apto a ser servido em qualquer circunstância, como aquele Tinto Velho, supostamente de cinco anos, que regou o realengo repasto em 1901, a fazer fé no rótulo com a data escrita a lápis de 1896, se é que o lote servido foi de facto daquele ano.
* Escritor e investigador da história terceirense
In Revista Verdelho – ano VII n.º7 ano 2002
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