quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

III – Os Biscoitos: história e origem (1482-1556)

(o anterior aqui)

Rute Dias Gregório*

Biscoitos, Ermida de Santa Catarina, laje tumular de Gonçalo Álvares Pamplona, outro detentor de terras no Lugar e também instituidor de morgadio.


Os Biscoitos foram, assim, um lugar nascido no seio de uma grande propriedade, propriedade que pertencia a Pero Anes do Canto. A sua história inicial anda, por isso, intimamente associada à história da mesma, ou seja, da quinta de S. Pedro. O desenvolvimento dela, nos seus ritmos e sucessos, pautou o crescimento económico e populacional da própria povoação.

Se Pero Álvares se fica a dever a primeira presença humana e a construção inicial dos caminhos, a Pero Enes do Canto deve-se o impulso decisivo do povoamento, tal como a construção de algumas das mais elementares infra-estruturas de apoio à fixação humana: os centros religiosos, que eventualmente se associariam à ermida de Santa Catarina de Gonçalo Álvares Pamplona, mas também os bardos de protecção e uma levada pela terra abaixo, que servia tanto o dito senhor como os seus rendeiros e caseiros. Alias, a importância da construção desta levada foi de tal ordem que sem ela “a fazenda nam aproueytara sasy nada”, como se registava já em 1517.

Por esse motivo, Pero Anes do Canto surge-nos, a par de Pero Álvares Pamplona, como figura inicial da história dos Biscoitos. Para além destes, inúmeros nomes surgem, aqui ali, igualmente obreiros da construção do lugar: Jorge Marques e Afonso Eanes, já referidos, Tomé Afonso, Álvaro e Francisco Anes, João Álvares, João de Barcelos, Luís Eanes, Baltasar, Domingos e Gaspar Fernandes, Vasco Gonçalves, João Martins, João Pires, Gomes Serpa, Manuel Vaz, os escravos Inês, Vasco, Diogo, Gonçalo, Pero, António, e tantos outros que temos de omitir ou então os documentos não revelam.

Não obstante, Pero Anes dos Canto será a figura a destacar. Afinal, o seu domínio, e da sua família em gerações que vão até ao século XIX, está perfeitamente documentado. Nos inícios de oitocentos Drumond ainda escrevia que “a maior parte desta povoação é tributária a este morgado”, instituído pelo primeiro provedor das armadas, e todos deviam, ao então seu senhor, foros e terças.

Mas que foros, terças e rendas se cobravam? No tempo de Pero Anes do Canto elas eram constituídas por trigo, pastel, gado, mas também vinho. Tudo produções típicas da referida quinta, a que se associavam os frutos de pomares e hortas.

Biscoitos: pedras e vinha, uma imagem de marca construída ao longo de séculos (curraletas com Verdelho)


Não existiam demasiadas referências específicas à produção de vinho, aquela que aqui será conveniente salienta. As pipas arroladas por um inventário de 1512, do rendimento em vinho desta quinta conjuntamente com outra (da Ribeira da Lapa e ao tempo na posse do filho primogénito do provedor, António Pires do Canto), no cômputo de oitenta pipas e no valor de 80$000 reais, são os testemunhos que nos foram ficando dos primeiros tempos. Alias, os aforamentos da década de 40 mostram-nos como a zona de biscoito começava a assumir importância no tocante aos pomares e vinhas. Para além disso, o próprio Frutuoso, nos finais do século XVI, atesta bem a presença destas produções ao referir o Biscoito Gordo, com uma légua de comprido por meia de largo, indo do mar à serra, como todo plantado de vinhas e grandes pomares. Ao ponto de afirmar que na ilha, não haveria equivalente.

De qualquer modo, provavelmente não comparável em importância ao que viria a ser a zona, e ainda hoje é, em termos de produção vinícola. Não esqueçamos que a época áurea da produção e da qualidade do vinho nos Biscoitos, e nas ilhas dos Açores em geral, não foi nem no século XV, nem no século XVI. Por essa altura o vinho não atingia, nem o peso económico, nem a qualidade de tempos posteriores. Apesar disso, desde bem cedo se enraizaram na área a dita produção, e primeiramente muito por conta dos hábitos e da dieta alimentar dos povoadores.

Em suma, e para abreviarmos o que aqui dissemos e já temos dito em muitas mais páginas, tais produções, rendas e riqueza, associadas à fixação paulatina dos homens, constituíram o meio de sustentação fundamental da casa de Peo Anes do Canto. E os Biscoitos, naquela história que fica atestada pela documentação, coeva ou mais tardia, se terão surgido como miragem em 1482, data da primeira sesmaria, se terão esboçado já antes da data a Pero Álvares (1482), seu primeiro habitante, concretizam-se definitivamente com Pero Anes do Canto. A este ficaram a dever o impulso definitivo da fixação humana e do arroteamento das terras.

Por isso, a memória de ambas as partes encontra-se interligada. Não se pode falar de Pero Anes do Canto e da sua riqueza e poder sem falar da quinta de S. Pedro, bastante para sustentar toda a sua Casa e cabeça do morgadio por ele instituído.

Mas também não se pode falar da história inicial dos Biscoitos omitindo o nome de Pero Anes do Canto. Até porque q ele, e ao cartório que restou da sua Casa, em última análise, se deve boa parte do agora conhecido sobre as origens do povoado.


* Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores

In Revista Verdelho - Boletim da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos nº 7 amo 2002

Outros :


Planta da Freguesia dos Biscoitos (ano 1830) aqui

Plantas Vasculares nas Vinhas dos Biscoitos (ano 1971) aqui.

"A vinha perde-se e a população nada ganha" (ano 1994) aqui.

"Região de Biscoitos, nos Açores - Casas em vez de vinhas" - Santos Mota (ano 1994) - aqui.

"Biscoitos: que futuro? "-José Aurélio Almeida (ano 1996) - aqui.

"As Vinha dos Biscoitos" -Bailinho de Carnaval da Freguesia das Fontinhas. (ano 1997) aqui.

"Uma virada nos Biscoitos"(Açores)- (ano 1998) aqui.

"Os Biscoitos, as vinhas e o desenvolvimento rural" - Joaquim Pires (ano 1998) aqui.

O viticultor açoriano está envelhecido (ano 1998/99) aqui

“Provedor de Justiça dá razão à Confraria” (ano 1999) aqui.

“Museologia de Interpretação da Paisagem Ecomuseu dos Biscoitos, da ilha Terceira” - por Fernando Santos Pessoa (ano de 2001) aqui.

"Carta de risco geológico da Terceira" (ano ano 2001) aqui.

"Paisagem Báquica - Memória e Identidade" - Aurora Carapinha (ano 2001) aqui.

“A Paisagem Açoriana dos Biscoitos” - por Gonçalo Ribeiro Telles (ano 2002) aqui.

"Fadiga sensorial" (ano 2007) aqui.

"Defender curraletas!" (ano 2007) aqui.

"Rememorando as origens dos Biscoitos nos séculos XV e XVI"- por Rute Dias Gregório (ano 2008) aqui, aqui e aqui.


“A Vinha, o Vinho dos Biscoitos e o Turismo” - por Margarida Pessoa Pires (ano 2009) aqui.


(continua)


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