quinta-feira, 20 de março de 2008

As zonas de cultura e a criação do gado bovino na Ilha Terceira

No Dia Mundial da Agricultura recordamos o Engenheiro Agrónomo Jácome d' Ornelas Bruges quando, no ano de 1918, se referia às zonas de Cultura e a criação do gado bovino na Ilha Terceira.
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Freguesia dos Biscoitos no ano de 2008.
Cultura da vinha a ver passar os navios.
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"Podemos dividir a Ilha Terceira em três zonas de agricultura distinta.
A zona litoral, que compreende toda a região da beira-mar, com boas terras de cultura, bastantes vinhas, e alguns biscoitos bravos arborizados com faias e por vezes com pinheiros.
A zona média ocupada na sua maior parte pelas pastagens temporárias e pelos terrenos denominados relvas, é também trazida em cultura alternando com as pastagens.

Finalmente na zona alta apenas existem as pastagens, chamadas criações, os terrenos abertos de particulares e baldios, e uma parte importante plantada com matas de pinheiros, eucaliptos e acácias.
O gado bovino distribuem-se pelas zonas de cultura, representando esta espécie um valor muito superior a todas as outras espécies domésticas criadas nesta ilha.
Na linguagem vulgar costuma dividir-se o gado bovino em duas grandes categorias: o gado das terras e o gado de cima.
À primeira categoria pertencem as reses criadas na zona litoral e que também pastam na zona média; à segunda, o gado nascido nas criações e que habita toda a zona alta. Na origem não há diferença entre estes animais, todavia o tipo do gado das terras é completamente diferente do tipo do gado das criações.
É este facto devido a circunstâncias meramente locais e muito especialmente à sua alimentação.
Poderia ainda considerar uma terceira categoria de gado: o bravo; assim como nas zonas de cultura poderia considerar outras transições, mas esses detalhes pertencem a estudos especializados e não é a isso que me proponho no presente momento.
Como é feita a criação da espécie bovina?
De duas maneiras: o gado de cima vive e cria-se no regímen de transumancia, isto é, cada criador em pontos diferentes da ilha e dá mudas à sua manada, para enquanto umas criações rebentam e criam erva as outras lhe alimentarem as reses.
Este sistema seria o ideal se não houvesse Inverno; mas nesta estação de pouco servem as mudas, pois geralmente, tanta erva tem as criações guardadas como as que estão sendo comidas.
As ventanias encarregam-se de pastar as fracas rebentações do Inverno.
A forma mais eficaz de remediar este grande mal seria a construção de silos onde se guardasse o excesso do verão para o gado de alimentar no Inverno.
Exactamente o que fazem as formigas.


Relativamente ao gado das terras a sua sorte é um pouco melhor, visto viver em terras baixas mais temperadas, e ser alimentado durante o Inverno com uma ração suplementar de forragens secas.
A palha dos cereais pragonosos, a comida do milho e a folha das maçarocas e a casca do tremoço são as forragens habituais para suprir a falta de erva no Inverno até as terras terem Outonos próprios para comer.
Estas duas formas de criar gado, ambas primitivas, e igualmente defeituosos, urgem ser modificadas, para que esta industria dum altíssimo valor para esta terra, não dê lucros miseráveis aos criadores e para se poder melhorar o gado indígena, introduzindo-lhe bom sangue e dando-lhe boa alimentação.
De que serve arraçar sem alimentar?
Os silos e os abrigos nas pastagens resolvem o problema.



O criador das terras que desde a primavera (visto que semeia as suas terras) luta com grandes dificuldades para alimentar o gado e que é obrigado de Junho em diante a meter na renda as suas vacas, crie prados artificiais, luzernais, etc., e terá também resolvido a questão.
Há ainda uma forma, ou melhor um expediente, para resolver a questão de alimentar o gado no estado actual da nossa agricultura.
Se o criador possuir terras no litoral, na parte média a zona alta ficará em muito melhores condições do que aqueles que se limitam a uma só zona.
A razão é simples; no Inverno na zona média tem alguma erva e com as forragens secas provenientes das culturas feitas no litoral mantêm o seu gado com um certo bem estar, na primavera come os Outonos nas terras que vai novamente semear e finalmente no verão leva o seu gado para a zona alta onde nunca lhe falta erva nem pasto.
Isto como gado melhor; o gado alfeirio de Inverno vai ora à zona alta ora à média roendo os pastos que as vacas leiteiras despontaram.
E, assim vai vivendo na Terceira a sua indústria mais importante".

Angra, Julho de 1918
Jácome d’Ornelas Bruges
(Engenheiro Agrónomo)

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