sexta-feira, 6 de maio de 2011

UMA LEITURA DA FUNÇÃO (2)

Continuação do anterior



Por: Vasco Pereira da Costa

Tudo é, pois, desde há muito, divino, porque o Homem incendeia de crispações poéticas todas as suas obras, sobretudo os actos de ocupação do chão que o sustenta, principalmente as acções de sacrifício que cumpre para a perpetuação da vida. Todos sempre fomos pagãos, rasteiros e bestiais, bichos da terra que a inteligência não moderou, selvagens conscientes e orgulhosos da nossa selvajaria sem remissão. Tudo, então, neste ponto de vista, tudo é santo e, num panteísmo orgiático de palavras e de sangue, mergulhamos nossos passos nas águas da vida, ensopamos nossos pés na lama prestimosa, poluímos os ares com o verbo da difamação, queimamos nossos corpos no fogo da expiação da experiência. 

Deste modo, portanto, a ideia deste Império cristaliza-se numa representação social, porém, eivada de esoterismo, que poderia, ainda por esta vez, imbricar (se o soubéssemos) nos ritos iniciáticos Eleusianos e pela figuração simbólica e emblemática nas irmandades maçónicas, que apenas sabemos serem dedicadas à deusa Ceres e que eram rituais de fertilidade, cujos iniciados deveriam manter segredo. Ai de quem divulgasse o que lá se passava! Mas bem-aventurado o que lá ia!


Segundo o Prof. Simões, num ensaio intitulado Triple couronnement et les “Empires” du Saint-Esprit, haveria uma influência celta na formação da mística imperial. Em segundo lugar, a ideia de um deus praesans (deus presente), personificado na época imperial, sublimado após a queda do Império Romano. Em terceiro lugar, o aspecto triádico do culto imperial: Roma, os Augustos e os diui. Em quarto lugar, mais importante para esta abordagem, uma referência a uma ponte e a um templo, do séc. II, que traduzem a mística da fundação de Roma mas também a eternidade deste mundo, reflexo do mundo das alturas.

Trata-se do templo e da ponte de Alcântara, situados à beira-Tejo, a 11 km da fronteira portuguesa e cuja arquitectura faz lembrar a dos Impérios da Ilha Terceira. 

Em ambos os lugares ocorreram e ocorrem actos de culto que tentam atrair os favores divinos.

O Império traduz a passagem do Caos ao Cosmos; a ponte mais não é que a união entre a Terra e o Céu – um mediador - o pontífice que assegura as regras para a harmonia do mundo.

Assim, desemboca-se no V Império, que as profecias de Daniel poetizam ou chegamos ao limiar da Terceira Idade, anunciada pelo Evangelho Eterno, segundo Joachim de fiore. Liber concordiae noui ac Meteris testamenti.

Voltando à simbologia da ponte, segundo o Prof. Simões, poderia pensar-se que o Imperador da Terceira Idade será necessariamente um Rei-Pontífice não só porque estabelece e assegura a contínua passagem para um futuro cheio de espírito mas também é o caminho do presente libertador.

Não é, pois, de estranhar que o clero ande arredio das festividades do Espírito Santo e que parte significativa dos seus ritos ocorra num templo diferente, normalmente em frente ou ao lado da igreja paroquial, e em que a sacristia é substituída pela despenda, e em que a frugalidade da hóstia dê razão à abundância do Pão, da Carne e do Vinho, três elementos substanciais da mitologia cristã.

Conhecidas que são as tradicionais ligações entre o poder e a igreja, enquanto estrutura hierarquizada, as festas do Espírito Santo são naturalmente, manifestações subversivas, porque transgridem, ainda que transitoriamente, as ordens sociais, colocando o povo no centro da liturgia.

Não será, propriamente, uma revolução…mas será apenas um rito de purificação, somente um rito de pacificação social?

Continua

Sem comentários: