Jácome de Bruges Bettencourt
Há precisamente 4 anos, fui contactado pelo senhor João Manuel Baptista Canedo Reis, actual presidente da Direcção do Lar D. Pedro V da Praia da Vitória, que vinha acompanhado pelo seu vice-presidente senhor Francisco Jorge da Silva Ferreira, simultaneamente provedor da Misericórdia da cidade da Praia e do senhor Dr. Luiz Filipe Cota Bettencourt Moniz Barreto, presidente da Assembleia Geral do Lar, estes dois, estimados Amigos de longa data, que me convidaram para preparar uma publicação com o historial da instituição.
Como já estava mais disponível, por reformado, aceitei honrado tal tarefa.
Porém, o bom andamento e sua conclusão sofreria considerável atraso, por motivo de doenças minhas e de minha mulher que nos obrigaram a longas e forçadas ausências da Terceira. Mas, agora vou retomar o já longo trabalho de investigação e proceder à sua conclusão, espero que até final do primeiro trimestre de 2020 para o entregar à tipografia.
Devo dizer que comecei logo pela leitura dos 16 livros de atas das Comissões Administrativas e Direcções, e dos 6 da Assembleia Geral, verificando que o primeiro da comissão administrativa instaladora inaugural se extraviou, livro esse que tombava as atas de 82 sessões, assim como alguns outros registos, ao longo do mais de século e meio de existência, certamente por via de múltiplas vicissitudes ou cataclismos que deram azo a maus acondicionamentos e arquivos de parcas condições. Actualmente, o sistema encontra-se informatizado por computador, abandonando-se o papel. Depois houve um trabalho de consulta em diversas fontes, como em publicações de autores vários que referem o Asilo e fiz cruzamento de dados. Procurou-se saber algo sobre os dirigentes e outras pessoas que passaram pela instituição, diga-se biografias, até dos seus mecenas. Há já considerável material levantado, mas não estou ainda satisfeito…
Pediram-me, agora, estes meus respeitáveis Amigos, para hoje, no dia memorável, dos 157 anos de idade provecta, falar do trabalho efectuado, o que sem dúvida, é nem mais nem menos historiar, ainda que sumariamente, a vida do Lar D. Pedro V, em que nela participaram milhares de pessoas, com destaque para os praienses, evidentemente.
Claro que, em 30 minutos, há que dar apenas uma ideia sumária do muito realizado. E não poderei olvidar os responsáveis maiores das C.A. que atestam o cuidado que os Governadores Civis do Distrito punham na escolha e nomeação, que era da sua estrita competência, isto até ao 25 de Abril.
No futuro livro, teremos o cuidado de abordar uma panóplia de assuntos que tem muito a ver com a vertente da assistência e saúde à 3ª idade, em duros tempos.
O Asilo, a 22 de Julho de 1981, passa à designação de Lar.
Como curiosidade, verificamos que os elencos gestores da instituição integraram mais de 178 cidadãos, dos quais 18 foram provedores da Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória. O que não deixa de nos fazer pensar algo, sobre uma certa cooperação salutar entre as duas instituições, assente em experiências conseguidas no campo da solidariedade social, com múltiplos pontos comuns.
Os Estatutos aprovados, porque se rege o Lar, datam de 26 de Janeiro de 1955.
A propriedade de parte do edifício da Luz só lhe é conferida por carta de lei de 23 de maio de 1864, por interferência do seu principal fundador e protector, o Governador Civil Jácome d’Ornelas Bruges Ávila Paim da Câmara (1833-1889), futuro 2º Conde da P. da Vitória. Este antigo mosteiro foi o primeiro convento de freiras nos Açores e deveu-se ao capitão Antão Martins Homem, filho do donatário conhecido. A 1ª religiosa professa foi D. Catarina d’ Ornelas. Entrou em funcionamento em 1587e ficou abalado pelo terramoto de 1614. Pertenceu, mais tarde, à Misericórdia, que lhe deu uso, vários anos. O Lar, só nos nossos dias, entra na posse plena do prédio, ou seja em 1998, depois de alguns dissabores, uma vez que a Fazenda Nacional não estava disposta à cedência gratuita da parte que o Tribunal ocupou, mesmo tratando-se de uma Instituição de Solidariedade Social de Utilidade Pública.
O primeiro presidente da Comissão Administrativa do Asilo foi o Padre António Joaquim Borges, figura de excepcional prestígio. Aliás, esta comissão inicial foi formada por gente de grande craveira intelectual, sendo que, referirei hoje as biografias de duas dessas figuras.
O reverendo Padre António Joaquim Borges, terceirense, foi 6º cura da Terra-Chã, entre 1849 e 1853, onde gozou de muita estima e admiração, 23º Vigário de Santa Catarina do Cabo da Praia. Cónego Honorário e notável Pregador Régio. Sacerdote muito ilustrado, foi professor de Latim e História no Colégio da Guia. Examinador Sinodal. Provedor da Misericórdia da Praia. Presidente do Asilo, chegou a financiar a instituição, atingindo esses abonos mais de cem mil reis. Homem com grande influência política, foi um dos grandes amigos do morgado Theotónio d’Ornelas Bruges (1807-1870). 1º Visconde de Bruges e 1º Conde da Praia da Vitória. Foi colaborador do Angrense e redactor principal do Onze de Agosto.
A outra figura das primeiras horas do Asilo, a ombrear com este sacerdote, foi o médico Dr. Francisco António Rodrigues da Silva, natural de Sta. Luzia do Funchal, falecido na Praia a 25 de Fevereiro de 1892, terra que considerava como sua. Foi clínico facultativo municipal da Praia e do Hospital da Misericórdia, mais de 3 décadas e meia, onde operava e era um inovador de técnicas médico-cirúrgicas, usando pela primeira vez na Terceira o clorofórmio. Montou em finais de 1857 a farmácia da Misericórdia da Praia. Integrou a comissão angariadora de fundos para o monumento a José Silvestre Ribeiro. Defendeu com o maior empenho a implantação e instalação da comarca, Tribunal Judicial na Vila. Para além de presidente da C. A. do Asilo, foi seu grande benfeitor. Além de tratar dos asilados, pagava-lhes os medicamentos e contribuía com refeições, em dias festivos. Foi agraciado pelo Rei com a Ordem de Nª Sª da Conceição de Vila Viçosa. Mereceu ser homenageado em 30 de Junho de 1931, sob proposta do Presidente da C.A., farmacêutico Luís Gomes da Silva, tendo-se, em sessão solene, descerrado o seu retrato na Sala das Sessões.
Felizmente, a Instituição ao longo da sua vida de bem fazer, tem contado mais gente deste calibre, com exemplos relevantes, que asseguram uma caminhada segura que permite ter esperança de grande longevidade.
Relativamente aos principais responsáveis, mencionaremos hoje, aqui, só os nomes de presidentes das Comissões Administrativas, Direcções, Assembleia Geral e Conselho Fiscal. Na futura publicação, constarão, evidentemente, todos os que compuseram e completaram os respectivos órgãos sociais.
Assembleia Geral: Dr. José Coelho da Rocha, Dr. José Toledo Gomes e Dr. Luiz Filipe Cota Bettencourt Moniz Barreto.
Conselho Fiscal: Dr. Alvarino Manuel Meneses Pinheiro.
Relativamente a pessoal de apoio à Instituição, ele foi aumentando de acordo com o crescimento de internados e suas instalações, o que aliás está bem patente nas atas e relatórios anuais. Hoje conta com 98 trabalhadores no seu quadro de pessoal, felizmente com considerável número de técnicos superiores e técnicos profissionais. Nos vários sectores existem 3 assistentes sociais, 1 encarregada geral (lic. em antropologia), 5 enfermeiras, 1 psicóloga, 3 fisioterapeutas, e 1 mestre em qualidade alimentar, estando o Lar sempre a crescer, conforme mapas a inserir no livro. Merece referência a abertura do centro de fisioterapia em 1990, que tem evoluído no conceito da inovação e empreendedorismo, dando resposta às necessidades da comunidade envolvente, que o Lar se esforça para servir condignamente. Aliás, pelos seus consultórios médicos já passaram mais de 35 especialistas, para além de psicólogos clínicos e outros técnicos superiores habilitados e muito competentes.
Ao presente, existem 105 utentes internados e mais 10 nos cuidados continuados, o que é significativo. Possui 18 residências assistidas entre outras valências.
Nos tempos iniciais, isto é, da fundação, o primeiro indivíduo a exercer funções de director residente em permanência foi Joaquim Inácio da Silva, depois João Baptista Bello, já em 1867. Seguiu-se em 1872, José Nunes da Silva, com uma superlotação de 70 asilados. Em 1877 o serviço interno era gerido por José Francisco. Como os tempos eram diferentes…
Na década de 40, do século XX, a média era de 20 internados no Asilo, sendo que o número de mulheres era superior em mais 4 a 5.
As profissões mais representadas nos internados, ao longo dos tempos, tem sido as de: trabalhador agrícola, barbeiro, jornaleiro, marítimo, calafate, carpinteiro, cantoneiro, latoeiro, polícia, mendigo, moleiro, coveiro, serrador, sapateiro, criada, vendilhão, ferreiro, relojoeiro, carvoeiro, alfaiate, lavrador, calceteiro, padeiro, doméstica, guarda-fiscal, costureira, bordadeira, pescador, pedreiro, cabouqueiro, aguadeiro, marceneiro, lenhador, caiador, taberneiro, comerciante, funcionário público, contínuo e servente, entre outras. Engraçado o uso de alcunhas, por que eram mais conhecidos alguns asilados, como em 1909 António Papo-Roto, João Charamba, José Tristeza, Manuel Tintilhão, José Burrico, Gertrudes Cabaça, Maria Sardinha, Manuel Labandeira, José Baganha, Beatriz Gaiola, Luizinho Papagaio, Chico Chicharrinho, Maria do Asilo, António Charamba, Maria Emília do Facho, Maria da Luz Mal Casada, Joaquim Grazina, Rosa Folar, Maria da Luz Badalo, José Carolo, José Pinguinha, Manuel Bogango, Rosa Rabiça, Maria Rata, José Bicharedo, António Caneco, Tomásia Merca, Maria Carranca, António Saboga, Maria Biscoiteira, Chico da Volta, Francisco Jericó, Manuel Pessegueiro, Manuel Canoa, José Carágua, José Chalupa, José Peidão, Manuel Gravito, Manuel Batata, José Melro, José Malão, Maria Veneno, António Chinelo, António das Amarelas, José Pão-Leve, João Pexelica, Chico Quilhabras, Felicíssimo Largueza (coveiro), etc, tendo-se registado muito mais de cem epítetos. Em 1902, nos asilados, havia um Narciso Torcato da Costa Caboz.
Em 1955, o quadro de pessoal comportava 1 chefe de pessoal menor, 1 criada, 1 cozinheira e 1 escriturário.
Recordamos que a 1ª Capela do Asilo entrou em funcionamento em 1865, com permissão do Bispo Diocesano e foi benzida pelo Cónego Vigário António Joaquim Borges.
Lembramos a passagem das Irmãs de Caridade que prestaram bons serviços à Instituição. Já em Agosto de 1899, a C.A. fazia diligências para que uma Congregação Religiosa viesse para o Asilo. Chegou a haver um convite às Irmãs de São José de Clunny, sem êxito. Tal só se concretizaria em 1958, com a vinda de 3 irmãs que permaneceram no Lar até 1970. Pertenciam à Congregação das Irmãs Franciscanas Portuguesas.
A vinda desta comunidade religiosa para dirigir internamente o Asilo, fez com que a Direcção Geral de Assistência aprovasse novo quadro de pessoal conforme determinava a legislação de 14 de Dezembro de 1957, que passou a ser constituído nesta altura por 1 escriturário, 1 directora (religiosa), 1 encarregada de serviços internos (religiosa), 1 encarregada dos serviços de cozinha (religiosa), 2 criadas, 1 cozinheira, 1 capelão e 1 encarregado de lavoura. A instituição durante muitos anos, quase até aos nossos dias, possuiu uma exploração agro-pecuária em terrenos de sua propriedade, muitos deles doados por benfeitores. A partir de 1954, já era celebrada regularmente missa ao domingo, e dias Santos, uma vez que o Bispo de Angra
nomeara, com a função de Capelão, o Rev. Padre Luís Cota Vieira, que recebia uma gratificação mensal. Sucederam-lhe como Capelães os Padres Dr. Edmundo Manuel Garcia Machado Oliveira, Monsenhor Cândido Botelho Falcão, Mateus da Conceição Rocha das Neves (antigo vigário-geral e administrador apostólico da Diocese de Benguela – Angola, poeta e músico), Dr. Manuel Costa Nunes de Freitas, Fernando Gonçalves Gomes, Abel Noia Gonçalves Vieira, Domingos da Graça Martins Faria, Alexandre Medeiros e Cónego Manuel Carlos de Sousa Alves. Sempre se celebraram actos religiosos na capela, por sacerdotes diversos, com destaque para o Ouvidor da Praia, Pároco da Matriz ou Capelão da Misericórdia. O Padre Inácio Antunes, do Seminário Padre Damião, foi assistente no Asilo.
nomeara, com a função de Capelão, o Rev. Padre Luís Cota Vieira, que recebia uma gratificação mensal. Sucederam-lhe como Capelães os Padres Dr. Edmundo Manuel Garcia Machado Oliveira, Monsenhor Cândido Botelho Falcão, Mateus da Conceição Rocha das Neves (antigo vigário-geral e administrador apostólico da Diocese de Benguela – Angola, poeta e músico), Dr. Manuel Costa Nunes de Freitas, Fernando Gonçalves Gomes, Abel Noia Gonçalves Vieira, Domingos da Graça Martins Faria, Alexandre Medeiros e Cónego Manuel Carlos de Sousa Alves. Sempre se celebraram actos religiosos na capela, por sacerdotes diversos, com destaque para o Ouvidor da Praia, Pároco da Matriz ou Capelão da Misericórdia. O Padre Inácio Antunes, do Seminário Padre Damião, foi assistente no Asilo.
Entre 1935 e 1942, deu assistência aos utentes, o médico Dr. Ramiro Machado.
Durante uma dúzia de anos, até 1968, prestava assistência médica ao Asilo (gratuitamente) o Dr. António de Sousa Rodrigues, que anos depois é sucedido por seu filho, o Dr. João Rodrigues. Conforme a prata da casa, sempre se foram fazendo obras. Em 1956, ampliaram-se as instalações, construindo novos WC e casas de banho condignas. Em 1971, dá-se início a grandes obras de modernização. No ano de 1978, novas intervenções com dotação de melhores quesitos na cozinha, copas e casas de banho. Em 1984, grande ampliação e remodelação de âmbito geral, criando-se novos espaços, como gabinetes médico e de enfermagem, bem como salas diversas nos dois pisos. As últimas obras de grande ampliação, com excepcional dimensão, têm começo em 2012, já na vigência da actual direcção, ficando concluídas em 2015.
Isto tudo e muito mais aparecerá bem explicado, intervenção por intervenção, como tem sido, aliás, divulgado pelas direcções.
Na actualidade, para além da sua estrutura principal, o internamento de idosos e cuidados continuados, com apoio de enfermagem, abrange outras valências como: Centro de Dia, Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), Residências Assistidas e Clube de Saúde (que inclui, Fisioterapia, Ginásio, Gabinetes Médicos, Análises Clínicas e Gabinete de Estética) e Rendimento Social de Inserção (RSI).
O Clube de Saúde dispõe de gabinetes com consultas médicas de especialidades como: Cardiologia, Pneumologia, Ortopedia, Otorrinolaringologia, Cirurgia, Dermatologia, Ginecologia, Obstetrícia, Medicina Familiar, Neurologia, Psiquiatria, Clínica Geral, Cirurgia Vascular, Alergologia e Fisiatria, etc. Para além das consultas médicas são ainda prestados serviços de Psicologia Clínica, Psicologia, Terapia da Fala, Dietética e Estética.
Antes de finalizar, gostaria de dar relevo ao capítulo intitulado “Donativos”, com especial referência a patrocinadores que não foram poucos, ao longo da existência da Instituição e teve a maior importância na vida social e económica da Instituição.
Como sabemos, durante mais de um século, os tempos foram muito difíceis para estes estabelecimentos, pois não havia acordos de cooperação com o Estado. Pode dizer-se que as coisas melhoraram, extraordinariamente, a partir dos anos 70.
Daí a importância dos donativos que se iam recebendo ao longo do ano, alguns considerados certos, como os atribuídos em numerário pela Caixa Económica de Angra do Heroísmo, de grande expressão ou da Caixa Económica da Praia, em menor escala. Da própria Misericórdia da Praia, como em 24 de Julho de 1868, oferecendo 43 alqueires de trigo. Depois, todos os anos havia um grande e extraordinário peditório no final das colheitas, amplamente participado e engrossado pela população do concelho, isto é, de todas as suas freguesias, a recolher sobretudo milho, trigo, batata, batata-doce, frutas, vinho, etc. e entregava tudo isso ao Asilo.
Ao longo das atas, encontrei registos e agradecimentos em considerável quantidade e valor, pelo que deve-se, publicamente, dar conhecimento da generosidade desta gente, deixando aqui, alguns destes exemplos.
Agora, aqui mesmo nesta cerimónia, acaba de ser entregue ao Presidente João Canedo, pelo senhor Hélio Melo um cheque de 18 mil dólares, reunidos numa festa realizada em Lowell, E.U.A., a 27 de abril último, por açorianos, maioritariamente terceirenses e praienses.
A nossa gente é assim, ontem e hoje.
Parabéns à Direcção do Lar D. Pedro V, da Praia da Vitória.
Praia da Vitória, 10 de Agosto de 2019
( Fotos gentilmente cedidas pelo Lar D. PedroV)
( Fotos gentilmente cedidas pelo Lar D. PedroV)
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