quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um Museu do Vinho




Por: António Batalha Reis

O grau de cultura dum povo avalia-se pelo estado de desenvolvimento da sua museologia


Hesitei ao encabeçar estas linhas com o título «Um Museu do Vinho» … Evidentemente, o público ledor ainda não está preparado para, sem sorrir ao lembrar-se dum estendal de taberna, aceitar tal ideia como uma realização séria. Teria sido mais prudente, talvez, começar por uma longa introdução explicativa… mas não há tempo, nem espaço.

Assente-se nisto: o grau de cultura dum povo avalia-se pelo estado de desenvolvimento da sua museologia. E, sob este ponto de vista, é tão importante um museu de arte, como um museu industrial, especialmente se este for montado nos moldes do museu do vinho, tal como ele é por todos nós concebido. Porque, se não pode catalogar-se entre museus de arte, não deve-se tampouco, na classe dos industriais ou técnicos – e a razão está na influência social que tem o produto que lhe dá o nome.

O vinho encontra-se na base de muitas obras de arte – quantas tem ele influenciado!

Nas artes plásticas, os motivos fornecidos pela videira são inúmeros: o cacho, a parra, os sarmentos, o próprio corpo da cepa dramaticamente torcido. Nos Jerónimos, por exemplo, a sua presença regista-se nos baixos-relevos da pia baptismal; é sob uma parreira, formando docel, que o escultor J. Simões de Almeida (sobrinho) modelou as suas “Ninfas chorando a morte de Inês de castro” – e as esculturas “Vindimador”, de Henrique Moreira, “Mulher com um cacho de uvas”, de António da Costa, continuam provando o mesmo interesse do artista.

Na pintura, telas de mestre celebrizaram o vinho e a uva; Malhoa, nos célebres “Os bêbados”; Carlos Reis, em “Uma saúde aos noivos” e “A merenda” ; Chaves, na “Muita parra e pouca uva”; Condeixa, no grande quadro “Vindimas” e no “Tosquiando uvas”.

A literatura, a vinha e o vinho deram pretextos sugestivos: Gil Vicente, no Auto “Pranto de Maria Parda”, faz uma resenha dos vinhos portugueses e suas qualidades; João Penha, dedicou-lhe versos preciosos; Eça de Queiroz, faz-lhe referências inúmeras, mostrando-se verdadeiro conhecedor das maravilhas enológicas.

No folclore, a cada passo se topa com o seu concurso nas decorações ingénuas, saídas das mãos delicadas do artífice humilde; e quantos bardos anónimos, nele inspirados, enriqueceram a poesia popular! Quer na arte erudita, quer na arte popular, quer na história, a sua existência marca-se, indelével.
No campo social, a influência do vinho é ilimitada: pois se a vinha tem de reputar-se como a cultura mais colonizadora que se conhece! – Que grau de prosperidade teria certas regiões se não fosse a vinha? Há-as onde a vida é totalmente dominada pelos interesses vinícolas, como no Douro ou Estremadura, onde uma psicologia característica e uma mística peculiar se criaram à sua volta.

Sob o ponto de vista económico basta dizer que, para nós, o vinho é dos produtos mais valiosos; fonte de riqueza, elemento poderoso de troca internacional.

E até o seu aspecto político é de considerar: - Não será o “Porto” um admirável embaixador português lá fora? – Não serão os nossos vinhos preciosos propagandistas de Portugal? – Quantas vezes foram sobre o vinho que se lançaram impostos para obter receitas destinadas à defesa nacional – como na Guerra da restauração – ou para custear melhoramentos públicos, como na construção dos chafarizes de Lisboa (divertida ironia!) com a designação de “Real d’Água”, durante o século XV.

(continua)


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