Por: Geraldo J.A. Coelho Dias, FLUP
III – Confrarias Báquicas: sua natureza e objectivos
Continuação do anterior
Em Portugal, depois que se criaram as regiões demarcadas de vinho e a qualificação de VQPRD, as Confrarias Báquicas foram aparecendo, sobretudo, para defender e divulgar o vinho das suas regiões, exaltar as suas qualidades, promover a sua venda e salvaguardar o património cultural, etnográfico e social que lhes está inerente. Adquirem um estatuto social hierarquicamente organizado com Grão-mestre ou Comendador – mor, Chanceler e seus dignitários, formalizam vestes e rituais mais ou menos enobrecidos. Assumem ainda um certo protagonismo cultural que credite a sua acção e assegure a eficácia da sua influência.
Não se pode ignorar a dimensão cultural da vinha e do vinho nas artes e na música, que os medievais poemas dos Carmina Burana bem como o entusiasmo ditirambo “Viva il vino spumeggiante” da Cavaleria Rusticana de Mascagni bem testemunham. As Confrarias Báquicas têm hoje, por isso, uma orientação cultural, nobre e generosa, de certo modo, até elitista. De mãos dadas foram-se associando amigos e apreciadores do vinho, atraíram-se autarcas, enólogos e enófilos, médicos e estudiosos, todos unidos pelo mesmo interesse do vinho, no que ele tem de bom, útil, conveniente e até necessário, mas também no que pode acarretar de pernicioso.
A nível internacional, existe a “Féderation Internationale des Confréries Bachiques” fundada em França, com um número significativo de associados. Segundo os estatutos, propõe-se coordenar e associar as diversas organizações para uma acção comum na promoção do vinho, organizando congressos, dando maior conhecimento dos tipos e qualidades vínicas e salvaguardando mesmo os interesses dos viticultores face ao aparecimento de novas bebidas, tecnicamente mais elaboradas e sofisticadas.
Confrades do Vinho de Verdelho dos Biscoitos, dos Enófilos do Alentejo, da Colegiada de S. Vicente e dos Enófilos da Estremadura.
Em Portugal, segundo as zonas de vinho, aí temos uma série de Confrarias Báquicas que, na variedade onomástica, mostram a vitalidade desta iniciativa, recente entre nós apesar de sermos um país estruturalmente vinícola. A primeira confraria com estatutos aprovados foi a Colegiada de S. Martinho (Alvará do Governo Civil de Lisboa de 7/IV/1965, para promoção dos vinhos nacionais na sua globalidade. Em seguida, começaram a aparecer confrarias, colegiadas ou ordens, mais ou menos reguladas por estatutos em que se definia a constituição, objectivos, categorias de associados e órgãos sociais. Contam-se, desse modo, entre nós cerca de 18 confrarias: Confraria dos Enófilos da Bairrada (1979), Confraria do Vinho do Porto (1982), Confraria dos Amigos de J.P. Vinhos (1987), Confraria do Vinho da Madeira (1988), Confraria dos Enófilos de São Vicente (1989), Confraria dos Jornalistas Enófilos (1989), Confraria do Enófilos de Macau (1990), Confraria dos Enófilos da região Demarcada do Douro (1990), Ordem dos Companheiros de São Vicente (Bélgica), Confraria dos Vinhos de Portugal (1990), Confraria de santo Onofre (1990), Confraria dos Enófilos do Alentejo (1991), Confraria dos Enófilos do Dão (1991)., Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos – Açores (1993), Confraria do Periquita (1993), Confraria do Enófilos da Estremadura (1994), Ordem Enófila de Sant’Iago – Palmela (1994), Confraria dos Jornalistas dos Vinhos Portugueses (1998).
Confrades do Vinho Verdelho dos Biscoitos e do Queijo São Jorge ( Ilha de S. Jorge)
Cada Confraria tem, evidentemente, os seus estatutos, os seus trajes e emblemas, a sua estrutura hierárquica e todas procuram ganhar adeptos para realçar as qualidades e características dos vinhos das usas terras, associando-se, não raro, confrarias gastronómicas como a “Confraria Gastronómica Panela ao Lume”, “Associação Cultural Confraria Gastronómica de S. Gonçalo – Aveiro, e ainda a “Confraria do Queijo São Jorge”, que, com seus contributos, prodigalizam o presigo adequado para um real e apropriado saborear dos vinhos.
Em Portugal, para além das Confrarias Báquicas, como seu suplemento de alma, apareceu no Porto a LASVIN (=Liga dos Amigos da saúde e do Vinho, 1994) a retirar o que o designativo Báquico poderia sugerir de menos nobre e a dar-lhes uma mais valia de cientificidade e credibilidade, que já um antigo prolóquio queria exaltar quando afirmava: “In vino veritas”.
LASVIN- Liga dos Amigos da Saúde e do Vinho (Palácio da Bolsa – Porto)
Em tom jocoso, uma quadra velhinha da sabedoria popular portuguesa, há muito advertia, de forma premonitória, para os perigos do vinho, tal como os experimentara o patriarca bíblico Noé:
Aquele que dele bem usa,
Nascido da cepa torta,
Entorna quem dele abusa.”
(Continua)
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