terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

AS CONFRARIAS BÁQUICAS: sua natureza e função associativa (2)


Continuação do anterior

Por: Geraldo J.A. Coelho Dias, FLUP

II – O espírito associativo e as confrarias

Confrades Enófilos do Alentejo e da Bairrada

O homem tem como que uma instintiva necessidade associativa, que o leva a fazer a família, a alargar a sociedade. No longo processo da sua auto-realização, criou a diversidade das tarefas e profissões. Nelas encontrou a satisfação da complementaridade e tomou-se, como que por instinto, associativo: associativo no matrimónio para se perpetuar na família; associativo no modo de viver em aldeias ou cidades para se ajudar e defender criando a Polis; associativo no modo de comportar-se para se sentir unido e favorecido dos deuses na religião; associativo no modo de se realizar em profissões para se complementarizar nos trabalhos e garantir o progresso social.

Gregos e romanos conheceram diversas formas de associação cultural, religiosa, politica e profissional. Dos gregos são conhecidas as liturgias, os trabalhos assumidos comunitariamente para certas realizações de interesse comum na defesa, no bem público da Polis ou cidade onde habitavam. Por antonomásia, daí tiraram os cristãos a palavra LITURGIA para exprimir o serviço voluntário e comunitário em honra de Deus.

Os romanos bem cedo criaram os “Collegia”, agremiações de solidariedade com fins sociais e caixa comum em relação aos membros que os integravam. Precisavam de aprovação do Senado ou do Imperador para terem personalidade jurídica, que era regida pela “Lex Collegiti” com nomes “Confraternitates”, “Piae Causae” . Num belo mosaico da antiga cidade de Ostia, junto à embocadura do Tibre, lá está a representação dum colégio de marinheiros comerciantes que se dedicavam ao transporte de vinho, bem emblematizado no barco carregado de pipas.

A Idade Média cristã, herdeira de muitas instituições romanas, introduziu uma nota diferencial e mental, tirada da própria religião. Entre os de “Congregatio”, “Sodalitas”, “Pia unio”, prevaleceu o de “Confraternitas” e daí deriva a designação de Confraria ou Irmandade para indicar o vínculo cristão da união de todos em Cristo como irmãos. Quem não conhece a Confraria ou Irmandade da Misericórdia, figura emblemática cristã da ideia de bem-fazer e praticar as obras de misericórdia, figura emblemática cristã da ideia de bem-fazer e praticar as obras de misericórdia?

Como não recordar as confrarias de Mesterais ? Foi entre os sécs. XII-XV, que ganharam força essas associações de trabalhadores, corporações de ofícios, autenticas organizações profissionais. Cada confraria tinha seu santo padroeiro, sua capela ou igreja, sua bandeira, suas vestes e insígnias, sua festa, quando não sua rua. Tinham organização hierarquizada, com receitas de entradas, cotizações anuais ou mensais e ofertas, de modo a funcionar como associações de socorro mútuo e sindicato “avant la lettre”.

Na nossa cidade do Porto medieval eram instituições de prestígio, tinham mesmo hospital ou hospício, participavam, de forma hierárquica, de bandeira alçada, na célebre Procissão do “Corpus Christi” e estão, de certa forma assinaladas na toponímia do velho burgo, algumas conservando ainda precioso recheio documental: Confraria dos alfaiates, Confraria dos Calceteiros e Ferreiros, Confraria dos Caldeireiros, Confraria dos Sapateiros e Correeiros, Confraria dos Ourives com altar na Igreja de S. Nicolau.

Confraria do Vinho Verde

Depois apareceram as Confrarias ou Irmandades de tipo meramente religioso e espiritual, como Confraria do Subsigno, do Santíssimo Sacramento, do Rosário e de santos de devoção popular, sobretudo após o Concílio de Trento, no séc. XVI. No seu carácter organizativo, estas associações antigas são portanto, os modelos precursores e inspiradores das Confrarias Báquicas.

(Continua)

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