Victor Cardoso*
*Investigador
III COMO VALORIZAR ESSE PATRIMÓNIO
“ ...uma terra qualquer, vila ou cidade,
é aquilo que o tempo depositou no seu âmago
e que a nossa memória afundada
assimilou e correia...”
Cita-se Nemésio, In Corsários das Ilhas, precisamente para reforçar a importância que nos deve merecer o legado que nos foi deixado pelos nossos ancestrais. A histórica e a riqueza de um povo, enaltece-se e valoriza-se, pela nossa capacidade, ou não, de a sabermos preservar no implementar de acções concretas que conduzam a dinâmicas activas [sérias] que salvaguardem e divulguem essa herança.
Cita-se também este génio da universalidade das Letras [Terceirense de nascimento] para dar notícia de que fora da sua terra natal, existe um Moinho/Museu, no Município de Penacova a ele dedicado com seu nome - Vitorino Nemésio.
Os moinhos na ilha, tem sido efectivamente sujeitos a um abandono quase por completo, quer de quem tenha sobre eles a titularidade de posse, ou vindo das entidades a quem recai a responsabilidade e o estímulo à sua preservação – nada tem sido realmente feito para reverter tal situação.
Não basta produzir-se roteiros culturais, lá fora, ilustrando-os sistematicamente com tão emblemáticas construções – porque valorizam a paisagem [reconhecidamente o sabemos], mas que na prática não traduz, com verdade, a realidade quando confrontada esta in situ - o cenário é substancialmente bem diferente: o quotidiano paisagístico [das ilhas] é profundamente acentuado pelo estado de ruína quase total de como se encontra votado este património.
Um projecto como subsídios [um contributo]:
A musealização do território dos moinhos na ilha
Procurarei de forma sumária, apresentar-vos uma ideia de projecto/modelo que poderia ser implementado, merecendo [opino] desenvolvimento adequado para que esse resgate fosse efectivo.
Inicialmente, deveria ser realizado um trabalho de campo para conhecimento e consequente sinalização, que determinará um inventário sistémico, de modo a entender-se a realidade no território que nos conduzirão à implementação e adopção das acções mestras necessárias à reutilização futura desse património, cruzando-se informação com outras realidades já implementadas noutras regiões. O exemplo vindo de Vila Nova de Cerveira será, entre outros, iniciativas municipais e local que nos devem impulsionar nesse objectivo.
“ moinhos não são apenas um dos mais pitorescos adornos da paisagem.
Eles representam também, com a sua engrenagem de moenda
ao mesmo tempo muito singela e muito elaborada,
a forma mais evoluída de um sistema primitivo
de trituração dos grãos de cereal entre duas pedras,
para fabrico de farinhas alimentares,
cuja origem remonta aos tempos pré-históricos,
em relação com as primeiras conquistas e aquisições do homem agricultor,
e ao qual mais tarde se adaptou um engenho motor,
que substituiu a força do braço
pela acção das correntes da água ou do vento. “
Cita-se Ernesto Veiga de Oliveira/ Fernando Galhano e Benjamim Pereira nessa obra fantástica que nos deixaram sobre Sistemas de Moagem
O Projecto:
1- Azenha/ Centro Interpretativo da Ribeira dos Moinhos
Este complexo encontra-se localizado perto da zona nascente da Ribeira, designada por “Nasce-água”. Um conjunto de 3 imóveis históricos, dois registados em tela pelo pintor, também universal, António Dacosta “Pintor Europeu das Ilhas” – como o classificou Nemésio [ambos naturais da Ilha].
Esses imóveis [as azenhas] estão bem identificados e com a sua estrutura construtiva original ainda bastante sólida. Deveriam assim ser adquiridos, pelo município, [ou estabelecida uma parceria] com a finalidade de ser criado e instalado um Centro Interpretativo da Ribeira, elaborando-se um projecto arquitectónico e museológico, eco-ambiental de grande qualidade. Conta este território ainda com espécies arbórias de grande porte e uma redondeza com magníficos elementos de conjunto em alvenaria de pedra de basalto, nomeadamente uma ponte baixa antiga e tendo caudal de água permanente.
Obrigatório seria também recuperar ou construindo-se de novo as antigas pias de lavagem de roupa e o troço da levada – que deverá seguir a céu aberto sempre que possível na sua maior extensão [com o cuidado de se garantir o reúso da água]. Como complemento a esta envolvente a criação de um trilho pedestre, também interpretativo e com orientação até à nascença de água a servir de complementaridade, merece ser considerado.
2- Fábrica de Pregos
Aquisição do imóvel [existente na ponta do muro], enquanto testemunho da função que desempenhou, não só para musealização como também para laboração - instalação de uma Tenda de Ferreiro/Latoeiro;
3 - Azenhas do moleiro Alberto Branco
Ao cimo do Largo de São João de Deus encontra-se ainda activo um dos moinhos da outrora histórica Ribeira dos Moinhos de Angra - com 73 anos de idade, aquele que será o decano e “sobrevivente” de uma grada geração de moleiros desta ilha. Conheceu a fase do moinho com roda que era abastecida pela levada que vinha da “Nasce-água” e de que ainda hoje existe parte de troço - em ruínas. O moinho funciona hoje a motor eléctrico e tem dois pares de mós - funcionou ainda com um motor a diesel, nos períodos de pouco vento, porque era preciso laborar - a procura de farinha era muita e a necessidade económica assim o fazia empreender a moer:
Apoiar a laboração/manutenção deste moinho, enquanto testemunho industrial ainda em actividade, deverá ser a primeira grande preocupação, encetando-se depois a reconstrução da roda de água e parte da levada, são medidas propostas para o imediato, estabelecendo acordo entre as partes.
4 - Azenhas do Pisão/ Unidades de Alojamento Turístico
Conjunto de várias azenhas em estado de ruína, existente nas redondeza da Memória, que devem ser adaptadas a unidades individuais para Turismo de qualidade.
5- Azenhas do Pisão – do moleiro Guilherme Dutra.
Apoiar também [à semelhança do Projecto 3], garantindo-se a sua laboração. Lamenta-se o falecimento recente do seu principal moleiro.
À sensivelmente um ano havia sido objecto de destacada reportagem na imprensa local. Este moleiro à semelhança do anteriormente citado é testemunhos de uma geração de homens que corporizaram um importante ofício e actividade industrial na cidade.
“Mas o velho caudal, chamado Ribeira dos Moinhos,
que viu nascer s a cidade das mãos de Álvaro Martins Homem
no terceiro quartel do século XV e
que alimentou as azenhas dos Cortes Reais,
donatários de Angra e pioneiros da Terra Nova,
está condenado a secar-se.”
Vitorino Nemésio, in O Corsário das Ilhas
6 - Azenha/ Museu do Pão/ Oficina de Panificação (Becco das Alcaçarias)
Na antiga azenha, pertença do Museu de Angra (?) [poderá ter sido cedida ao município angrense... (!?)]. Importará no entanto centrar a intervenção com o objectivo de que esse imóvel seja efectivamente recuperado e reconstituídos os elementos estruturante do moinho [toda a informação arqueológica lá está...], recuperando-se o forno e adaptando todo o edifício à confecção de pão tradicional e outros produtos, como sejam os biscoitos e bolachas tradicionais.
Os produtos confeccionados terão como principal alvo, ser vendidos como produto turístico a quem nos visite. Uma componente formativa deverá ser também encarada – como oficina de panificação tradicional. Complementa uma interpretação museológica, que atestará a sua raiz histórica, passando o conjunto a fazer parte do roteiro da cidade e valorizando as suas festividades.
7 - Azenhas da Ladeira de São Francisco
7.1 - Funcionando enquanto Tendas de actividades manuais/infantil. É património do Museu de Angra do Heroísmo (encontram-se aprisionadas pelo logradouro de um serviço social e por um muro alto que as esconde). Apresentam contudo uma invejável estrutura de alvenaria bastante sólida, sendo embora o seu actual estado votado à ruína.
7.2 - A Azenha que é pertença da Câmara Municipal, merece ser objecto de restauro profundo e consequentemente na recuperação da sua traça original, dada a má intervenção de que foi alvo por parte da autarquia que tanto a descaracterizou.
8 - Azenha - Moagem Terceirense
Um espaço magnífico, que bem poderia ser um Bar de referência na cidade devidamente museolizado. Possui uma estrutura de madeiramentos notável nos seus equipamentos industriais de moagem – deve-se estabelecer-se uma parceria com os proprietários.
Zona norte da Ilha:
9 - Azenhas das Quatro Ribeiras – do Capitão
9.1 - As 3 azenhas históricas deveriam ser recuperadas na sua arquitectura primitiva, contemplando-se um bom projecto de arquitectura com o objectivo de se criar ateliers contemporâneos para alojamento sazonal de artistas, consolidando-se a antiga muralha e embelezamento da redondeza.
9.2 - As duas azenhas existentes junto à zona balnear, uma merece ser musealizada na sua globalidade. A segunda com nova intervenção no sentido de assegurar a sua identidade matriz (actualmente ocupa um bar e balneários). As restantes existentes nesse território devem ser objecto de sinalização.
10 – Parceiros activos na musealização do território:
Moinhos de Vento da Escola dos Biscoitos e do Grupo Folclórico das Doze Ribeiras
Escola Básica EB2 dos Biscoitos e Grupo Folclórico das Doze Ribeiras, pelas intervenções já realizadas nos seus moinhos, devem continuar essas acções e amplificar cuidados com o seu restauro e manutenção, nomeadamente em todos os seus mecanismos e nas dinâmicas de animação e fruição cultural no domínio da nossa molinologia.
Apresentou-se estas 10 sugestões de Projecto, havendo outras que poderiam ter sido alvo também desta avaliação, de forma a contemplar outras moendas, como seja os outros moinhos de água existentes na Ribeira da Agualva e São Sebastião; Ainda os moinhos de vento da Serreta, Cabo do Raminho e Biscoitos, devem merecer igual atenção e objecto de orientação que os salvaguardem – sendo que todos devem merecer sinalização, dando testemunho da sua existência no território.
[1] Tema da palestra, inserida no Dia Nacional dos Moinhos, numa iniciativa da Escola Básica Integrada dos Biscoitos – Disciplina de E.T.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário