sábado, 26 de junho de 2010

JOSÉ DE SOUSA BRASIL “CHARRUA”, O MESTRE DO IMPROVISO

No passado dia 25 de Junho teve lugar na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo uma sentida homenagem ao poeta popular José de Sousa Brasil, mais conhecido por “Charrua”. Foi apresentada uma exposição documental e iconográfica, comemorativa do 100.º aniversário do seu nascimento, que inclui documentação inédita que integra o fundo oferecido à Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo pela filha do poeta, Maria Socorro Costa Brasil.
Estiveram presentes na sua inauguração o Director da BPARAH, Dr. Marcolino Candeias; José Cipriano, Presidente da Junta de Freguesia das Cinco Ribeiras; o Director Regional da Cultura, Dr. Jorge Paulo Brunus; a filha do homenageado, Maria Socorro Costa Brasil e Família, assim como muitos admiradores do Poeta.

O Dr. Marcolino Candeias proferiu o discurso de apresentação:

“JOSÉ DE SOUSA BRASIL, O Charrua, nasceu nas Cinco Ribeiras, Ilha Terceira, em 25 de junho de 1910 (segundo o registo batismal) ou em 24 de junho do mesmo ano, segundo ele próprio, data em que sempre festejou o seu aniversário. Continua a ser considerado como o maior poeta popular de sempre dos Açores, tanto pelo povo como pelos seus pares cantadores.
Desde muito cedo revelou uma inteligência penetrante e uma vontade enorme de adquirir conhecimento, qualidades que mereceram a atenção do professor e do pároco. Porém, os magros recursos da família não lhe permitiram ir além dos estudos primários na escola da freguesia.
Sabia ler e escrever, mas não completou o ensino elementar, conforme era corrente na época; foi, então, trabalhador agrícola, funileiro, assalariado, vendedor de pão, ao mesmo tempo que nele se revelavam singulares talentos de poeta e de improvisador, que, ainda jovem adolescente, havia de por à prova perante Manuel Borges Pêcego, dito O Bravo, um dos maiores poetas populares de sempre e o maior de então, por quem o jovem poeta nutria uma enorme admiração.
Antes de Pêcego, nas cantorias usava-se a quadra popular tradicional, como no Continente ainda se usa, na qual rimam apenas o 2.º e o 3.º versos, forma em que, no século XIX, António Inácio e o Terra se haviam exercitado com louvada maestria. Foi o Bravo quem introduziu «a cantiga rimada às quatro rimas», isto é, a quadra de rima cruzada (1.º verso com o 3.º e o 2.º com o 4.º), da qual o povo na época, pasmado, dizia que era «duas cantigas numa» e que Charrua veio a designar por «quadra literária».
Isto trazia ao jovem poeta uma carga maior de responsabilidade. Mas depressa veio a revelar-se exímio e imponente não só na nova quadra como também na sextilha, na oitava e na décima. Este impulso transformou a cantoria ao desafio e compeliu quantos haviam iniciado carreira antes, com a quadra antiga, a se adaptarem à nova quadra em que já Charrua era rei.
Não é por acaso que à quadra de rimas cruzadas chama «literária». Para compensar a impossibilidade de prosseguir estudos e de se alcandorar a um nível de instrução que a sua brilhante inteligência reclamava, Charrua leu Camões, Camilo, João de Deus, Junqueiro, talvez Cesário e outros, nomes maiores do Romantismo Literário português, autores que haviam de marcar profundamente o seu espírito e formar o seu ideário para o resto da vida, neles bebendo as modulações, as figuras de estilo e as corretas medidas dos versos, que, por surpreendente que pareça, procurou cultivar com esmero no improviso.
Não será descabido dizer que Charrua ficou plenamente embebido pelo ideal romântico e que foi um poeta romântico. Como tal viveu a vida, subjugado à paixão pela sua arte, com arrebatado ardor entregue à poesia e ao ideal do Poeta iluminado e profeta, que o transformou num migrante de ocupação em ocupação, vivendo acima de tudo para a sua arte, viajando inúmeras vezes para os Estados Unidos, cruzando o continente até à Califórnia, para cantar, regressando, emigrando de novo e, por fim, retornando à sua terra para nela concluir o seu percurso, sempre erguendo bem alto e acima de tudo a chama e o estro do Poeta, incorporando esse Ideal como uma ordem do Destino.
A sua consabida paixão pela grande cantadora Maria Angelina de Sousa, dita A Turlu, correspondida, de resto, e que a ambos haveria de conduzir ao altar quando já eram viúvos das primeiras núpcias, constitui um final maravilhoso da transformação em real do paradigma Romântico.
Foi, reconhecidamente, um inigualável improvisador e repentista e o mais temível adversário ao desafio, inovador e original na quadra, na sextilha e na décima. E além das cantigas sem fim que sempre garbosamente cantou ao desafio e de improviso, cultivou pela escrita outras formas literárias, como canções, danças de espada, sonetos e trovas diversas.
Os seus textos inéditos foram doados à Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, em 13 de Junho de 2008, pela sua filha, D. Maria do Socorro Costa Brasil.”

A segunda parte desta homenagem destacou-se pela intervenção musical de cantadores da nossa gíria, nomeadamente António Mota, Marcelo Dias, Agostinho Simões, José Fernando, Eduíno Ornelas, Manuel Linhares, José Eliseu Costa, Hélder Pereira, Maria Clara, João Leonel e João Ângelo, acompanhados pelos tocadores José Domingos Mancebo e António Martins.
O Director Regional da Cultura encerrou estas homenagens.
A exposição em homenagem a “Charrua” está patente ao público entre os dias 25 de Junho a 24 de Setembro no átrio do Palácio dos Bettencourt.

(Continua)



1 comentário:

Terceirense disse...

Belo artigo caro amigo, belo artigo que documenta muito bem o que se passou na homenagem póstuma ao nosso cantador tão reconhecido pelos presentes.
Estou emocionada e já fiz a respectiva hiperligação a este conteúdo memorável.
Abraço
Rosa Silva ("Azoriana")