6 – DOM DUARTE, ENTRE O IDEAL E O PRAGMATISMO
Este livro é também o testemunho da síntese entre o ideal e o pragmatismo. Dom Duarte surge como o herdeiro da espiritualidade portuguesa – manifestada quer no seu pendor mais lidimamente católico, como na devoção a Nossa Senhora ou o culto ao Espírito Santo, como ontem tivemos a graça de viver, quer no interesse pelos chamados mitos fundacionais (79), como Ourique, ou o Quinto Império, ou ainda na inspirada poesia de Pessoa, esse ambíguo profeta de um Portugal a ser. Dom Duarte é, reafirme-se, um indefectível defensor dos valores cristãos, tendo uma claríssima consciência de que a cultura europeia, nas suas manifestações mais nobres de liberdade e de dignidade, é filha da dinâmica do Evangelho. Com desassombro, afirma que «ser cristão é ser moderno», facto que na Europa se vai esquecendo ou de propósito ocultando, mas que o mundo persiste em redescobrir. O herdeiro dos «soberanos das três religiões», como diz, é senhor de um autêntico diálogo com as outras tradições religiosas, sobretudo as comunidades judaicas e muçulmanas, também na linha do Santo Condestável, cujo processo de canonização foi persistentemente apoiado por Dom Duarte, sabendo bem que os heróis da História e do Cristianismo são grandes educadores do presente. Entende-se mesmo que a sua viva consciência da História, só possível em quem dela participe de uma forma tão responsável quanto a hereditariedade dinástica exige e alimenta, impele Sua Alteza a curar as feridas do passado, congregando os Portugueses dispersos pelo mundo e pelas várias ideologias. A visita à Sinagoga Portuguesa de Nova Iorque, fundada em 1654, e o convite para almoçar feito aos descendentes de Isaac Abarbanel, tesoureiro de D. Afonso V, (por esse almoço D. Duarte afirmou “ter esperado 500 anos”…) revelam-nos esse profundo empenho em reconciliar os Portugueses com a sua História e a História com os Portugueses. Não menos significativo, e para os monárquicos algo incómodo, é o estabelecimento de laços de diálogo e respeito com a Maçonaria. Há, por conseguinte, em Sua Alteza, uma vocação a que eu chamaria profética e pragmática ao mesmo tempo, pois luta por não excluir ninguém do horizonte português e declara mesmo como dogma: «o Príncipe é de todos e não de ninguém». (201)
Desta síntese, brota uma série de iniciativas consistentes: o diálogo com o Brasil; com a África lusófona, paixão antiga de D. Duarte, cujo território foi calcorreado por Sua Alteza, muito antes de 1974, e defendido numa “terceira via” equilibrada e oposta à intransigência da II República e à sanha cobiçosa dos regimes comunistas; as justíssimas causas da defesa de Timor e Cabinda; a defesa do ambiente, do ordenamento do território, da agricultura, num empenho ímpar pela protecção do melhor de Portugal; a promoção do mutualismo agrícola; os constantes contactos com a diáspora portuguesa, consignados na fundação da Portuguese Heritage Foundation (78); as numerosas obras de solidariedade (72) e muitas outras iniciativas que pretendem edificar o Portugal de hoje. Mas sublinhe-se que a ponte entre Portugal e os países lusófonos é o mais esplendente da sua acção. O facto de falar, no cenário da monarquia restaurada, de uma federação num Reino Unido de Portugal, Açores, Madeira, etc… é um sonho ambicioso, mas tão possível. Sem sombra de fantasmas colonialistas e dando um ousado significado à Comunidade de Países de Língua Portuguesa… Além do mais, as numerosas viagens que Dom Duarte tem feito são a expressão do verdadeiro universalismo que encarna e que é o melhor do nosso povo. Estados Unidos, Rússia (onde forma vivíssima Dom Duarte contactou com a força do renascimento religioso, simbolizado no ícone de Nossa Senhora de Kazan, a cuja história também esteve ligado), China, Índia, toda a Europa, com especial destaca para a Santa Sé e a Espanha, e muitos outros lugares foram visitados com atenção e respeito por Dom Duarte, não como um turista, mas como alguém fascinado pela variedade das experiências, terras e culturas humanas. Dessas experiências têm nascido iniciativas como a Associação Cultural Luso-Russa. Dom Duarte é, em larga medida, o primeiro embaixador de Portugal no mundo. Não é difícil vermos nesta vida exemplarmente vivida e contada a realização de muitos dos versos da Mensagem, de Pessoa: o espírito fecunda a matéria.
(continua)
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