quarta-feira, 6 de setembro de 2017

COMUNICAÇÃO: «XXVI FESTA DA VINHA E DO VINHO» II

“Do Território dos Biscoitos!”


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II - Como se processavam as Vindimas nessa época, do que me recordo 

Na véspera, ia-se levar um molho de cestos à vinha (um carreto de cestos de vimes), para que quandos os Homens e mulheres chegassem no dia seguinte começassem a vindimar, eram cerca de 8/10 podendo chegar as 12 cestos de duas asas (vindimeiros), mais os cesto de vindima, cesto de uma só asa, mais pequenos tal como os conhecemos, (…) e dependendo sempre do peso que poderia carregar o homem, eram atados com espadama, mais tarde substituida por corda, esse percurso era sempre  realizado a pé da Adega até à Vinha.
No dia da Vindima o feitor, que era o responsável por todas as coisas relacionadas  com a cultura da vinha, no nosso caso, «O Tio Aníbal» ( faleceu este ano nos EUA - Califórnia), ele era também feitor do Sr. «Feiticeiro», vinha ter à nossa Adega, por essas 8h00, ela situa-se na Canada do Caldeiro, a última no sentido Norte/Sul – rumo à Estrada do Mato. 
“Matava-se o bicho”, com vinho de cheiro, velho, que tradicionalmente e estratégicamente, se guardava para a época das vindimas (também para se preparar as tradicionais Alcatras para a Festa dos Biscoitos), nesse “mata- bicho” tinhamos também sempre uma garrafa de aguardente da terra, acompanhado com queijo de peso (queijo de São Jorge) cortado aos pedaços, «eu», já tinha uma parte do meu franel pronto na minha cesta, preparada de véspera ao final da tarde, levava-se sempre queijo fresco, da nossa produção agrícola, feito pela minha Mãe em dosse reforçada para  o almoço da Vindima.
De seguida partia-se rumo à vinha, antes porém, uma paragem na Venda do Tio José Vieira, situada a meio da Canada do Caldeiro, na banda poente, junto ao entroncamento com a Rua de Mangas. Tratava-se de uma paragem estratégica, necessária, que ali sempre ocorria, para se comprar um reforço para o almoço (ficava no rol): atum, mais um pedaço de queijo, “pão da venda”, que se encomendava de véspera, algumas laranjadas e tabaco de filtro, eu que não era fumador, nunca o fui, pedia a meu Pai para $ Tabaco para os Homens, e sempre fui bem sucedido, porque autorizado, gostava das marcas: Santa Justa; Goodflame e Apolo 20, por vezes também Curdos (mas estes eram bem mais fortes no dizer dos entendidos). Naturalmente que a minha inclinação por essas marcas, ficava a dever-se, por terem em destaque a côr vermelha, explicada parece estar a opção, pois como o disse, não era fumador (…), e curiosamente meu Pai até era Verde. 
Levava-se também, da adega dois garrafões de vinho de cheiro e outro contendo àgua, que fora previamente fervida, em Talha de barro, na nossa cozinha.
Na vinha o feitor, distribuia sempre os homens e mulheres, pelas tornas, de modo a ficar mais equilibrado o serviço, geralmente os homens é que despejavam os cestos de vindima, quando cheios, para os cestos de duas asas, que eram também colocados estratégicamente junto das passagens para facilitar a operação do seu transporte no final da vindima.
Pelas 10:00 horas fazia-se uma ligeira paragem, para descanço e mata bicho, uma pequena merenda, chicharros fritos e um prato de queijo cortado aos bocados para calçar o estomago até à hora do almoço. Os fumadores aproveitavam também a paragem para matar o vicio. Esta era uma prática mais usada nas vindimas mais ditas mais “pobres”, havia algumas, mais abastadas, onde essa prática ou uso não acontecia. Na nossa casa, esse era o costume, sempre foi assim – uma tradição de que me recordo bem e de que guardo boas recordações, e de que tenho saudades.
Pelo meio-dia almoçávamos:
Havia sempre um prato de uvas, que se apartava no inicio da vindima, para não estarem quentes à hora da refeição. O Almoço constava para além das latas de atum, também havia cavala e curtume caseiro e os queijos, com pão da Venda e pão caseiro - o que os homens e mulheres levavam. Vinho de cheiro, Laranjada que se distribuia pelas mulheres e crianças, tudo com ordem era a bebida de suporte. Após o almoço, uma ligeira pausa para o tabaco.
Por volta da uma da tarde dava-se inicio à segunda parte da apanha das uvas, decorria até essas 17h00, (havia por volta das 3 da tarde uma ligeira paragem para se matar o bicho). Às 5 da tarde, terminava a apanha e os homens iniciavam o processo de acartar os cestos, cestos grandes, poisando-os depois em fila sobre uma parede consistente, por vezes era necessário calçá-los para ficarem direitos, para não tombar, usando-se uma pequena pedra e ficavam assim a aguardar pela chegada da Fraguneta, que se havia, previamente, combinado a hora com o condutor na Praça dos Biscoitos, para as ir buscar ao sítio combinado e para as levar até à Adega. 
Por vezes terminávamos a apanha mais cedo e aí, procurávamos saber a zona onde se encontrava o nosso condutor, para irmos ao seu encontro, ganhávamos assim, um pouco na antecipação aos que estavam na Praça, e era hábito, ajudarmos sempre no serviço que estava a decorrer, no carregar e descarregar dos cestos para o processo ser mais rápido e os condutores, gostavam, pois assim conseguiam ganhar mais uns fretes. 
Um pormenor que importa relevar: à hora previamente combinada, os condutores não falhavam, estavam junto ao local combinado para se carregarem as uvas. Uma parede cheia de cestos, era motivo de enorme satisfação, e orgulho sinal de que a Vindima tinha sido boa – era um regalo vê-la daquela maneira (situação que importa resgatar neste nosso território, restaurando-a) da parte que nos toca, seguramente que assim será implementando e incentivando-se essa prática, esse costume caído em desuso. 
…”Uma «Fragoneta» hoje com a designação de «Carrinha», bem carregadinha de uvas, com os cestos em dois ou mesmo três andares, seria fantástico, belo, poder-se o testemunhar de novo, nos caminhos dos Biscoitos, na nossa “Casa” e nas nossas Vindimas, como o referi, iremos trazer essa fantástica realidade e imagens de volta!” (…)
Importará sinalizar e recordar, que os primeiros carretos, nesta modalidade, correspondiam a 15 cestos, na caixa, mais tarde, começou-se a usar as tábuas, colocadas transversalmente por cima dos cestos para aumentar assim a maior capacidade de transporte. Paralelamente a este tipo de transporte mecanizado, sentiamos também, sempre, a presença e a harmonia do chiar dos «Carros de Bois», do Tio Manuel Pereira e do Tio José Chora, carregados com os seus balceiros, percorrendo os lugares de pior piso e de difícil acesso às Fragonetas, para irem carregar as uvas dos fregueses…
Cada cesto de duas asas correspondia e corresponde a cerca de 40/ 50 Kg, e um cesto bem carregado se fosse de uva de cheiro, corresponde a 3 Potes de vinho e dependendendo mesmo do cesto, poderá chegar aos 4 Potes, enquanto se forem uvas de Verdelho ou Terrantez, dará 2,5 potes - um pote aqui nos Biscoitos corresponde a 11 Litros de vinho, na Graciosa são 12 Litros.
Com as uvas chegadas à Adega, dava-se inicio ao esmagamento, ou “à pisa”, cesto a cesto, usando-se os Esmagadores de roda grande, que nós, com o nosso movimento  vigoroso de braço, faziamos movimentar os dois cilindros, num sistema de rodas dentadas, ao lado existia um pequeno escadote de madeira, para facilitar o proceso de vasamento das uvas que estavam no cesto para a caixa do esmagador, era um momento que se desejava bastante, pois assim podia-se ver a quantidade de mosto e apreciar os aromas deliciosos que se começavam a libertar vindo ao nosso encontro, “envolvento toda a adega”, proveniente do sumo de uva obtido. 
Esta, era a prática, usada, para a casta Isabella -  o “Vinho de Cheiro”. 
Já no «Verdelho» o procedimento era diferente: os cestos eram despejados no lagar e a pisa era feita por Homens, pelos rapazes e também pelas raparigas da casa – lavam-se bem os pés (…). Era uma alegria, tamanha, esses momentos. Depois das uvas pisadas ou esmagadas, consoante a casta, porque nas castas brancas, obriga a esse processo sequencial, isto é: depois da pisa a pés, o sumo era transfegado, para a vasilha e o engaço ia para a prensa para ser ligeiramente apertado, processo de bica aberta, repousando nas primeiras 24 horas numa vasilha, geralmente era sempre em meias pipas, só depois era armazenado nas pipas – as nossas eram de 440 Litros. 
Na uva de cheiro, como sabeis, são reservados três a quatro dias de balceiro, devendo o pé ser mexido pelo menos duas vezes por dia, só no ultimo dia é que não se opera essa acção. 
O nosso vinho de cheiro, tal como o Verdelho, era muito bom, não se trata de uma expressão que sinalize vaidade, eram efectivamente muito apreciados, consequência naturalmente das boas práticas reservadas na Adega, desde logo, nos cuidados reservados ao vasilhame, depois na sua localização (aguardamos com grande expectativa pelo momento da nossa primeira vindima e dos nosso primeiros vinhos que julgamos, poder vir já a ocorrer no próximo ano, embora ainda limitada na quantidade e na qualidade, como é justificavel, porque estamos na presença de uma vinha nova - mas lá chegaremos! (…)
Concuidos os trabalhos na adega, era chegada a hora do Jantar ou da Ceia, expressão rural usada pelos homens mais antigos. Na nossa Casa, era assim, subia-se, rumando à cozinha, para termos esse aconchegante alimento, era sempre uma Feijoada à moda antiga, levava toucinho e cabeça de porco – queijaço e também um pouco de linguiça, mas não era muita a mistura – a minha Mãe fazia-a com grande mestria. Concluída a refeição, terminava também o nosso dia de Vindima, regressando o pessoal, que havia estado a trabalhar, ás suas casas. 
Recordar, que  muitos dos trabalhadores, mais jovens, que vinham para as Vindimas dos Biscoitos, tinham como obectivo ganhar uns dinheirinhos para os Toiros do Porto nos Biscoitos – Festa muito concorrida e apreciada, singular na Ilha, naquela altura quem tivesse 100$00 (escudos) tinha muito dinheiro! (…)
As Mulheres ganhavam 15$00 chegando depois aos 20$00. Os Homens, esses recebiam 25$00, esses os valores correspondentes ao dia de trabalho. As muheres regressavam mais cedo a casa e os Homens ficavam para acartar os cestos.
Este pessoal era contratado quando chegavam à Praça, logo pela manhã, vindos do Raminho e da Agualva, pagando-se sempre no final da sua jornada de trabalho.
Ainda algumas lembranças mais desses meus tempos de Vindima:
Recordo-me dos condutores das «Fragonetas», lembro-me bem dos Sr. Farpela, todos queriam que fosse ele a ir carregar as uvas, dada a sua nobreza e simpatia no trato, emigrou para os EUA, já falecido, “para o seu lugar” veio o José Gabriel «Chalô ou Chalão, de apelido», emigrou para o Canadá, mais tarde o José Daniel Lourenço, do Raminho - reside nessa freguesia de onde é natural e mantém praça e por último dos que me recordo o Sr. Roberto Linhares, um micalense que casou para os Biscoitos e que tinha também um «Botequim», onde se podia comer uma boa feijoada e chicharros fritos, localizado acima da Adega do António da Chica, tinha uma Fragoneta (Furgoneta), verde, muito bonita, da emblemática marca alemã «BORGWARD», havia-a adquirido, a primeira que teve, ao Pescador Fermínio de São Mateus, depois comprou outra à Mobil, essa já a gazolina, depois substitui por uma Nissan Caball, mas isso já no pós sismo de 80. Os três primeiros eram condutores da Sotran, enquanto o Roberto tinha sido condutor da EVT, mas viria a establecer-se por conta própria.
Na segunda-feira, da Festa dos Biscoitos, dia de Tourada de fama, de manhãzinha podia-se escutar os sons da “magistral orquestra”, porque os viticultores eram também lavradores, de regresso das vacas, a hora, era de mexer novamente o pé que se encontrava na prensa e dar-lhe mais outro aperto, para depois se poder dar uma fuga ao mato, à boleia, para se assistir à apartação dos Toiros, que iriam ser corridos ao final da tarde, na concorrida tourada da ilha, nesse tempo só havia essa nesse dia.

(Continua)


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