segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Senhor Espírito Santo (10)

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O Império do Espírito Santo e Joaquim de Fiore

“Nos Açores, terra de louvor ao Divino, em que circunstancias bastante tardias determinaram algum voltar de costas entre a hierarquia da igreja local e as Irmandades do Espírito Santo, a celebração das festividades em honra do mesmo, ainda há relativamente pouco tempo, não revestiam oposição entre poder instituído e religiosidade popular. 

Só muito recentemente, e por questões espúrias, essa oposição se marcou no terreno. Ainda no início do século XX, o Deão Reys Ficher, incorporado no cortejo da coroação do Espírito Santo dos Quatro Cantos, era quem, apoiado à sua bengala, transportava a Coroa para a Igreja da Sé.

Ver nas manifestações religiosas açorianas, por ocasião da celebração do Pentecostes, uma espécie de cadinho das oposições entre o poder instituído e vivencia religiosa popular, é uma violência histórica com objectivos não muito claros e consequências difíceis de prever. 

Juntar a estas interpretações leituras apressadas e deficientes de Joaquim de Fiore, só faz acrescentar o volume das incorrecções. De facto, nunca Joaquim de Fiore foi entendido pela hierarquia da Igreja como seu opositor. Nem ele próprio se entendeu como opositor da hierarquia eclesiástica. 

A única questão que parece ter havido em relação a tão ilustre religioso prende-se com a sua interpretação da Trindade. É verdade que o Concilio IV de Latrão corrigiu determinados aspectos da sua doutrina. È verdade que os seus ensinamentos do ritmo trinitário da história causaram graves problemas na primeira fase do franciscanismo. Mas aquele mesmo Concílio defendeu a sua integridade pessoal, comprovada pela carta escrita ao Papa Inocêncio III e pelo seu “Comentário ao Apocalipse” .
Entre os seus leitores e apreciadores conta-se o próprio Papa, que várias vezes o cita nos seus escritos.
Sempre submeteu o seu pensamento e as suas obras ao juízo da Sé de Roma. No “Comentário ao Apocalipse” expôs o motivo deste seu comportamento: se São Paulo “transmitiu os sues escritos aos apóstolos que o precediam, na dúvida de correr ou de ter corrido em vão (cf.GL 2,2), com maior razão eu, que nada sou, não desejo ser juiz de mim mesmo, mas deve sê-lo sobretudo o Sumo Pontífice, que julga todos e ele próprio não é julgado por ninguém”.

 Estas afirmações foram novamente na “Epístola do Prólogo”, que é considerada como o seu testamento.
Considerava também que a Bíblia devia ser lida em Igreja, não admitindo a livre interpretação. Assim, ele diz: “ acreditando integralmente naquilo que ela (Igreja) crê, aceitando as suas emendas tanto em relação à fé como no que diz respeito aos costumes, rejeitando o que ela nega, acolhendo aquilo que ela aceita”.
O seu amor pela pobreza não o renunciou da Cúria Romana e nível de fé. A distância aconteceu a nível da vivencia: “Admirava-me que um homem de tanta fama, cuja palavra era tão eficaz., trouxesse vestes tão vermelhas e usadas, parcialmente rotas nas franjas”, escreve o Arcebispo D. Luca de Casamari, seu contemporâneo.
Como todos os grandes espíritos, não esperou dogmas para viver a fé, praticar o amor e escolher alegremente o seu estilo de vida. Viveu a fé, praticou o amor e definiu a sua forma de existir com tal liberdade interior que sempre sentiu vontade e necessidade de se submeter ao alto juízo de Roma.
A maior liberdade é a que se consegue em relação a si mesmo."

JR

        Este escrito tem por base a carta do Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de estado do Vaticano, ao Arcebispo de Cosença-Bisignaro, por ocasião da celebração do VIII centenário da morte de Joaquim de Fiore. 

No A União de 4 de Maio de 2002

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UMA LEITURA DA FUNÇÃO-Por: Vasco Pereira da Costa (aqui)

UMA LEITURA DA FUNÇÃO (2) (clique aqui)




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