sexta-feira, 20 de abril de 2012

ERMIDAS UM PATRIMÓNIO LOCAL NOTÁVEL QUE URGE SALVAGUARDAR E PARTILHAR COM COERÊNCIA NA ACÇÃO: dois bons e dois maus exemplos para ajudar à mudança na atitude



Victor Cardoso*

Parte 2 

Património Local: dois maus exemplos


Na primeira parte desta abordagem e no âmbito das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios/ Do Património Mundial ao Património Local: proteger e gerir a mudança. Como foco, desse património local, demos o privilégio, às ermidas, e sinalizámos dois excelentes exemplos, no modo como se cuida e valoriza, e se honra, uma herança recebida, reservando a outra face, ou seja, os maus exemplos, que, infelizmente continuam a existir á nossa beira.
Queremos contudo acreditar tratar-se de factual coincidência, os dois maus exemplos, alvo da nossa atenção. Ambas encontram-se sedeadas no concelho de Angra do Heroísmo, sendo que, uma delas já não exista edificada. Ligam-se entidades, com grandes responsabilidade na gestão, colectiva, sendo que uma delas reservada aos assuntos religiosos e outra com a sua acção vocacionada à coisa pública.

Património Local: dois maus exemplos

Ermida de Nossa Senhora da Saúde


Coube a esta ermida ter sido primeira escolha, naquela que é, até ao presente, a mais completa discrição, sobre as Ermidas da ilha Terceira, com que o Padre Alfredo Lucas nos havia de contemplar e honrar. Fruto do seu vasto saber e sensibilidade, evidenciando com sua pesquisa preocupação com as matérias relacionadas com o nosso património, salvaguarda e valorização da nossa identidade cultural.
O Pe. Alfredo Lucas descreve-a desta forma: “…E agora vamos descrever o estado actual da presente ermida, que é sem dúvidas a mais bela e elegante de todas as ermidas da ilha terceira. Está situada na Praça da Restauração do lado do Norte, e tem uma única porta de entrada por cima da qual se vê um grande e vistoso frontão triangular, encontrando-se mais dois de pequenas dimensões colocados no cimo das sineiras.
Nessa ermida encontram-se ainda na fachada várias frestas bastantes altas com o seu gradeamento de ferro, vendo-se uma de cada lado da porta e duas geminadas ao lado em plano mais reentrante da dita fachada. Todos oferecem um agradável e belo aspeto.
Porém, na parte interior deste lindo templo que tanta embeleza a Praça da restauração, vemos ao fundo o altar com o respectivo retábulo, tendo ao centro a imagem de Nossa Senhora da Saúde e mais a baixo outra de S. Cristóvão que os motoristas da dita Praça adquiriram em 1957 e ofereceram à ermida…/
Tem ainda esta ermida um guarda-vento por cima do qual está o coro alto, e possui um púlpito para onde se vai pela sacristia.”


Inicialmente esta ermida estava localizada nos terrenos que hoje ocupa o Palácio dos Capitães Generais e Igreja dos Jesuítas (1560). Fora transferida para a então Praça da Restauração (1592), a Praça Velha, como na gíria o povo a identificada, para dar lugar à construção do que viria a ser o Convento dos Jesuítas. Tinha o seu alçado virado a nascente, na esquina antiga travessa que ligava o chafariz, à rua de Nossa Senhora da Natividade, atual rua do Palácio. Ostentava a denominação dos Santos Cosme e Damião, que chegariam a dar nome à Praça. 
Viria posteriormente a ficar conhecida, pela designação que perdura ainda nos tempos presentes, por Ermida de Nossa Senhora da Saúde, pela razão de na antiga travessa, ter sido edificado um hospital, não grandioso, para responder à calamidade da epidemia que acometera na ilha no ano de 1599.
Com o sismo de 1980, poder-se-à dizer, que praticamente ficou fazia e silenciada de culto. Não se compreendendo, por inteiro, razão para tal situação - o estado com que somos quotidianamente confrontados é lamentável. Difícil, ainda, se torna mais compreender, quando a sua guarda, ao que conseguimos apurar, está afecta à Diocese de Angra e na posse da Comissão Diocesana Para Os Bens Culturais; Transformada em Sede da referenciada comissão. Mas como esta realidade não fosse suficiente, pela negativa constatar, possui na sua fachada uma inestética placa de propriedade - na banda de cima, bem como outro equipamento colocado na outra extremidade – que julgamos possa pertencer à rede eléctrica.

Quando se tem, um povo maioritariamente crente e religioso, não se entende o continuar de portas fechadas. O sismo – porque já sentido á muito tempo, não merece sustento para qualquer argumentação por parte dos seus responsáveis e também a crise, com que hoje nos confrontamos, não pode servir de causa, já que é longo o seu jejum de culto – muito anterior aos movimentos economicistas.



Por tudo isto, julgamos não existirem argumentos, que possam contrariar para que esta ermida não possa voltar a ter as suas portas abertas ao culto e á visitação – tal é a excelência da localização e demais enquadramento – disse-o, enfaticamente o Pe. Lucas, escritor atrás referenciado. Devem assim seus curadores, tudo o fazer, com o objectivo da sua efectiva reabertura, que, a não ser possível já no presente ano, que o seja durante o próximo. As festividades em honra e louvor á Senhora da Saúde que ali se realizava a 21 de Novembro, bem como a grande romaria dos motoristas de Táxi, em louvor de São Cristóvão – padroeiro dos automobilistas, tendo mesmo estes, adquirido, no ano de 1957 uma imagem e oferecido à ermida, bem como a dimensão imaterial, pelos factos que historicamente são conhecidos, devem merecer voto de resgate. 
Nota final, para dar conta, que as obras de reedificação operadas e que lhe dariam as formas que ainda hoje perdura, se iniciaram no ano de 1881, tendo durado três anos. Foi benzida a 9 de Novembro de 1884, pelo Bispo D. João Maria Pimentel. 
“Imagens presentes”: Devem ser repostas os seus patronos principais: Nossa Senhora da Saúde; Santos Cosme e Damião; São Cristóvão.


Ermida de São Sebastião

Numa leitura atenta da carta de Linschoten este antigo templo, seria de proporções consideráveis, só ultrapassada pela da Conceição, ocupando assim na urbe lugar distinto e de relevo – encontrava-se virado à actual Rua do Cruzeiro e implantada a sul na Praça Dr. Sousa Júnior.



A presente reflexão, enquadra-se à luz do conceito, do património imaterial, hoje alvo das atenções por parte das organizações que pugnam pelo seu registo e para a necessidade moral com que as entidades gestoras do bem e honra pública devam situar-se, respeitando os compromissos deixados lavrados no desempenho e magistério da governação.
Resulta do facto da terrível epidemia da peste que grassava nesta ilha (1599 – já sinalizada na abordagem feira ao antigo Hospital situado na travessa da Saúde), ter a Câmara Municipal lavrado um voto, de anualmente organizar uma festa em honra e louvor de São sebastião, pelo facto do desaparecimento de tão lapidar e destruidora doença.
O Pe. Alfredo Lucas descreve-nos o seguinte: “… Encontrando-se reunida a Câmara  no dia 20 de Janeiro de 1600 com  a presença da nobreza, clero e povo, formou-se em seguida um luzido cortejo que se dirigiu à tosca capela que levantaram Frei Pedro dos Santos e Frei Jorge de Saphara em S. Bento, que cuidavam dos doentes e celebravam Missa por aqueles que faleciam.
Mas, quando o cortejo regressou trazendo em lugar de destaque e triunfo os dois ilustres e bondosos sacerdotes, entrou na ermida de S. Sebastião onde disse Missa Frei Jorge de Saphara, seguindo-se uma procissão que percorreu as principais ruas da cidade e respectivas igrejas voltando de novo à ermida. Foi precisamente nesta ocasião que  a Câmara de Angra fez o voto de realizar todos os anos na ermida uma festa em louvor do glorioso Mártir S. Sebastião.”
Não obstante ter sido extinto o Convento das Freiras Capuchas em 1832, a Câmara continuou a cumprir o voto, mas na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, para onde foi transferida a imagem do Santo. 


E assim sempre procedeu até à entrada da República altura em que deixou de o satisfazer. Reatada em 1957, quando era Presidente da Câmara de Angra o Dr. Manuel Flores Brasil.”. A partir dos anos 70, era Presidente da Câmara, o Dr. Francisco Oliveira, seria de novo interrompida estas comemorações, situação que viria a ser “sentenciada” até aos dias de hoje.
Importa registar também, que parte do retábulo em talha-dourada (a necessitar restauro) do antigo Altar-mor, desta muito antiga Ermida (1550), assim como a imagem do seu patrono – S. Sebastião, encontram-se numa das capelas da nave lateral da Igreja e Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Angra do Heroísmo.
Uma polis que se encontra classificada de Cidade Património da Humanidade (1983), deve revitalizar-se e vitaminar a memória, nunca é de mais sublinhar que esta cidade, teve por merecer, o título de “Mui Nobre, Leal e Sempre Constante Cidade de Angra do Heroísmo”.


Das conclusões:
Importará reter três aspectos, sendo um transversal e comum a todos, pelos exemplos aqui partilhados e que resulta da importância histórica, que merece o numeroso Património Local, existente em todo o nosso território; 
Um segundo, que comprova o facto de muito deste património, sendo pertença de particulares, são prontamente objecto de atenção no que diz respeito à sua salvaguarda e manutenção; 
Por último, a necessidade imperiosa de se emendar a mão, sempre que em causa esteja a falta de rigor, por quem tem obrigação de proximidade, de respeitar a história, de proteger o bem e de cumprir os compromissos.
Nesta partilha, onde nos propusemos e associámos ao Dia Internacional dos Monumentos e Sítios/ Do Património Mundial ao Património Local: proteger e gerir a mudança, reforçamos a necessidade de proteger e gerir a mudança com substância. É de facto, o que temos que empreender e realizar, porque inseparáveis da acção motora e empreendedora do Homem. Os Açores necessitam assim de outra postura, de novos agentes, que possam encetar esses desígnios, que só serão praticáveis se a mudança também for efetiva e se registar, com determinação essa condição.
Cabe-nos efetivamente a esta geração, fazer por operar as mudanças necessárias, que forçosamente, implicará outros agentes e decisores com responsabilidades governativas, no sentido de uma acção e gestão, não elitista no universo do património cultural.

Fontes consultadas: 
Padre Alfredo Lucas. As Ermidas da Ilha Terceira. 1976; 
Pedro de Merelim. Freguesias da Praia. 1982

*Investigador



1 comentário:

Paulo disse...

Gostei do artigo. Interessante e na regra dos 3 c`s. Curto, Claro e Conciso.