sábado, 28 de abril de 2012

Calceteiros angrenses (12)



A CUNHA


Texto: Maduro-Dias

Falar do chão de calçada em Angra do Heroísmo está a tornar-se numa sina má, quando podia ser uma sina boa e, até, uma forma de negócio.
É pena!
Começando pelo princípio, as pedras que temos no chão das nossas ruas e estradas não são cubos, são paralelepípedos! Por isso é que a gente lhe chama, às vezes, paralelos, para dizer de uma forma mais curta.
Os cubos existem, também, na calçada à portuguesa, mas são mais vulgares - típicos, se quisermos - em Lisboa e Porto. Vai daí que a gente, agora, chama cubos aos paralelos.
Por outro lado, nem são cubos, nem são paralelos, são cunhas!


Isso mesmo! Cunhas de espetar no chão com martelo! Porque são feitas para se enterrar cada vez mais, conforme o peso que se ponha em cima. É a mesma ideia da pedra de fecho dos arcos das nossas igrejas, quanto mais peso mais força para baixo e mais apertado fica.

Experimentem a ver alguma das nossas calçadas mais antigas que ainda não tenha sido "recuperada" ou "reabilitada" e perceberão logo o que se pretende dizer aqui.
Desde que se deixou o modo à romana, de grandes pedras mais ou menos encostadas, e se passou para pedras mais pequenas e tentativas de alinhamento, tivemos o bico a bico, os feitos a matar junta, os paralelos ou em espinha, etc. Conforme os lugares, desenvolveram-se modos diferentes de assentamento. Por exemplo, no Porto, usam um modo muito interessante de calçada, que é o de organizarem o empedrado do chão em quartos de círculo, como se fossem leques colocados lado a lado. 


Aqui, entre nós, desenvolveram-se várias formas, consoante as épocas (convém não esquecer que muitas ruas já foram de calçada, terreiras ou de macadame e que, conforme as entidades responsáveis, realizaram empedrado paralelo e com lomba no meio, em espinha ou quase direitas, a matar junta ou não).
Regressando, porém ao assunto base, vale a pena relembrar aqui que os calceteiros antigos tinham uma peça de coiro encaixada nos dedos da mão de apoio, especialmente feita para receber as pancadas falhadas do martelo que acertava os lados e afinava a cunha. 



O que se passa hoje nas nossas ruas é lamentável a todos os títulos porque, numa cidade histórica, devia saber-se aproveitar a pedra antiga mas com qualidade técnica na execução e é sobretudo aí que as coisas estão a falhar, principalmente na parte da finalização. Insiste-se no saltitão; deixou de se acertar as pedras, bem encostadinhas umas às outras (a terra entre elas é sinal de má execução. Vejam a Praça Velha outra vez, sobretudo nas zonas menos remexidas); e, principalmente, parece ter-se perdido a noção de que as pedras devem ficar espetadas e não apenas dispostas lado a lado.

Quanto à fiscalização, um amigo meu deixou-me, há dias, esta nota acerca: o fiscal ía, com um ferro fininho na mão, a bater de onde em onde na calçada e o som devia ser igual. Quando não era avisava os calceteiros, eles vinham, levantavam aquelas pedras por ali, voltava a assentar e ele voltava a verificar.
Como já disse aqui uma vez e repito, continuo a não perceber como é que há estradas romanas ainda a resistir, enquanto as nossas ruas "saltam" de reabilitação em reabilitação.
Quanto ao negócio, fica para outra vez.

No Vela de Estai – Diário Insular,15 de Abril de 2012


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