O último trabalho de Jácome de Bruges Bettencourt denúncia bem o fascínio e rigor do autor em descobrir novos temas que nos proporcionam o (re)encontro muito importante para o conhecimento da nossa História e para o alargamento do horizonte dos açorianos e da açorianidade, como característica fundamental daquilo que nos liga e une, independentemente da ilha onde vivemos.
O relógio no Faial transporta-nos para outra Era onde o tempo marcava, ainda que de forma diferente, a vida dos ilhéus. Qual D. Quixote de la Mancha, o relógio, nas suas várias formas, surge-nos como o incontestável senhor do tempo que trava uma constante luta para conseguir o aperfeiçoamento e descobrir o toque final que lhe permitirá sentir a sensação de dever cumprido, última recompensa reservada apenas e só aos heróis.
Na sua incessante busca pelo domínio das coisas, o homem tenta aprisionar o tempo dentro de uma caixa. O relógio não é mais do que a caixa que aprisiona o tempo. Tal como Prometeu que presenteou a humanidade com o fogo, todos os que dedicam a sua vida e saber aos relógios procuram controlar e dominar o tempo.
Graças a este trabalho minucioso, e de grande rigor científico, podemos conhecer as pessoas que nas ilhas do Faial e Terceira dedicaram a sua vida a conservar e a preservar estes belos exemplares do talento humano dedicando-se ao seu coleccionismo. Infelizmente, e graças ao desconhecimento ou simples descuido, muitas vezes quando os seus primitivos donos desaparecem muitos deste belos exemplares de arte são rapidamente desbaratos, perdendo-se por completo o seu rasto, o que nos deixa a todos nós mais pobres.
Podemos, igualmente acompanhar e conhecer a actividade de todos os relojoeiros que, nestas duas ilhas, dedicaram o seu tempo e saber a consertar estas delicadas e precisas máquinas. Entre todos os relojoeiros referidos nesta obra merece especial destaque o nome de Anna Luísa Silveira, natural da Fajãzinha, ilha das Flores, que nos finais do século XIX abandona a sua ilha e parte à conquista, não apenas de novos horizontes, como em busca de novas perspectivas de vida, fixando-se nos Estados Unidos da América.
Tendo como limite o horizonte, e como vontade a necessidade de conquistar o tempo, Anna Luísa Silveira torna-se uma relojoeira afamada, transpondo o seu nome para além das fronteiras do tempo em que viveu. Nos Estados Unidos da América, encontrou naturalmente muitas dificuldades, em virtude de se infiltrar numa actividade dominada pelo Homem, mas com a sua tenacidade, vigor e coragem, conseguiu galgar o pódio do sucesso com muito trabalho. Conseguiu demonstrar que uma jovem oriunda da Fajãzinha conquistava os apreciadores do bom design em relógios, bem como deixar marcas para os coleccionadores do presente e do futuro. Anna Silveira, tal como o autor refere, tinha uma personalidade fora do vulgar, marcando presença interventiva na comunidade portuguesa e açoriana na zona de São Francisco. Esta personalidade que, por volta de 1874, com 6 ou 7 anos de idade, parte com a família, provavelmente numa barca baleeira, em direcção a porto americano da costa leste e daqui para São Francisco. Integrou-se plenamente na comunidade norte-americana. Onze anos de trabalho na nova comunidade foram o suficiente para ser a presidente da União Portuguesa Protectora do Estado da Califórnia; da Sociedade Portuguesa da Rainha Santa Isabel, bem como de outras instituições de relevo para a comunidade portuguesa e americana.
Graças a este trabalho, a História dos Açores fica mais rica e todos nós podemos conhecer melhor um tema tão apaixonante e complexo que, de forma clara e transparente, nos transporta para um mundo de requinte e de imaginação. O relógio tem a magia de nos guiar no quotidiano, mas também de fazer as delícias da nossa admiração pelo design e materiais subsequentes que apresenta a cada um de nós. Por esta razão, o bom relógio, que está ligado a um bom relojoeiro, alia-se inevitavelmente a um bom coleccionador.
O relógio caminha lado a lado com a existência do homem e marca todos os momentos mais importantes da sua vida. É o Alfa e o Ómega da vida de todos os homens, registando o primeiro e último sopro no momento do seu nascimento e da sua morte. Termos consciência deste facto é aliar a beleza, o requinte, o bom gosto e o aspecto prático num só instrumento. Muito poucos objectos podem vangloriar-se de ter a importância do relógio.
Jácome de Bruges Bettencourt, Cônsul Honorário da República de Cabo Verde nos Açores, no próximo ano faz 50 anos que trilha os passos da escrita no passeio da sua memória. Estreou-se, simultaneamente, em dois jornais: o semanário O Debate e o diário O Telégrafo. O primeiro de Lisboa e o segundo editado na cidade da Horta.
Sempre com a preocupação de carregar constantemente os cartuxos da memória, não só para informar e formar quem necessita da escrita como pão para a boca, mas também para construir, pedra sobre pedra, palavra a palavra, o mundo hodierno e globalizado em que vivemos.
Este trabalho é, sem dúvida, fruto desse berço de construção, de desconstrução e de reconstituição da História do Homem sobre a Terra com o intuito de deixar a sua marca no presente. A História dos Açores, está constantemente a ser reescrita, porque autores como Jácome de Bruges Bettencourt com a sua minúcia, seriedade na investigação, bem como a busca constante da verdade dos factos, obriga-a a ser uma ciência dinâmica e constantemente insatisfeita com os resultados encontrados. Por isso, por cada investigação feita, a História passa por um crivo de perfeita reflexão, sempre em busca de uma maior verdade.
Para além do rigor e minúcia referidos anteriormente, este trabalho encontra-se muito bem documentado com um vasto conjunto de fotografias que, do princípio ao fim, ajudam a compreender melhor todos os aspectos nele tratados. Ao aliar a informação histórica com a riqueza das fotografias apresentadas, Jácome de Bruges Bettencourt conseguiu de forma harmoniosa, séria e ao mesmo tempo bastante simples, transmitir, a leigos e especialistas, um conjunto de novas informações que muito nos enriquecem e ajudam a compreender a realidade histórica em que nos inserimos.
Avelino Santos
Lúcia Santos
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