terça-feira, 8 de julho de 2008

Reencontrar a Vinha dos Avós

“Reencontrar a Vinha dos Avós” foi o tema da comunicação proferida pela Profª Teresa Lima, docente do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, aquando da realização do Congresso Internacional, “A Voz dos Avós: Migração e Património Cultural”. Este decorreu em S. Miguel, Ponta Delgada de 8 a 11 de Maio de 2008. Foi organizado pela Universidade de Toronto e a Universidade dos Açores. A Doutora Manuela Marujo, directora do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto foi a coordenadora do Encontro. A Doutora Rosa Simas do Departamento de Línguas da Universidade dos Açores foi também organizadora deste evento.

O congresso contou ainda com a colaboração California State University, Stalisnaus, Center for Portuguese Studies, Univ. Federal Santa Catarina, Brasil, Université Paris X-Nanterre, Centre de recherches interdisciplinaires sur le Brésil et le monde lusophone, York University, Toronto.

Teresa Lima durante a sua comunicação e aspecto do painel
História e PatrimónioDa esquerda: os doutores :
Celci Favaro, Lélia Nunes (moderadora),
Licínio Tomás e Rosali Boschilia

A cerimónia de abertura foi presidida pela Doutora Manuela Barroso e contou também com a presença do Magnifico Reitor da Universidade dos Açores, Professor Doutor Avelino Meneses.

A Profª Teresa Lima com a Drª Maria Barroso

Segundo a Doutora Manuela Marujo, “Numa altura em que a vida familiar, sobretudo as relações entre pais e filhos, está cada vez mais sujeita às exigências da vida profissional, a relação estabelecida entre avós e netos assume um significado especial. Esse significado adquire ainda maior relevo nas famílias deslocadas do seu país de origem.

Este Encontro teve como objectivo reflectir sobre o papel dos avós m
igrantes. Poucos estudos e obras literárias se têm debruçado sobre a questão das relações entre avós-netos, particularmente no que diz respeito a famílias migrantes. O nosso propósito foi reunir académicos e estudiosos, nas várias áreas do conhecimento, que se quiseram debruçar sobre temas ligados ao papel dos avós: a preservação da língua de origem, a passagem dos valores, das tradições e do património cultural foi apenas alguns dos temas apresentados.”

Teresa Lima comunicando com alma a sua paixão pela viticultura

A comunicação apresentada pela Prof Teresa Lima fez parte do painel História e Património. Ela foi fruto do projecto “ Vinhas da Terceira/Uma experiência nos Biscoitos”. Dela transcrevem-se algumas partes.
Na primeira metade do séc. passado a área total de vinha nos Biscoitos
era de 120 ha e cerca de 80 % eram tratadas. Actualmente a área cultivada é de cerca de 20 ha. Cerca de 85 % das suas vinhas estão abandonadas e ameaçadas pela construção imobiliária.
Assiste-se a uma diminuição progressiva da cultura da vinha e d
o vinho devido a vários factores. Antigamente, quem cultivava a vinha era a população normal: uns eram possuidores, eram eles e as famílias, e também havia muita mão-de-obra paga. Existiam trabalhadores de vinha e alguns deles eram sazonais. A cultura da vinha e do vinho constituía uma das ocupações significativas da população dos Biscoitos.

Vinhas na paisagem biscoitense

Esta situação mudou, inicialmente, com a emigração da década de sessenta do século passado. Por um lado, muitos dos proprietários emigraram o que acarretou já o abandono de muitas vinhas (décadas de 60, 70 e 80). Por outro lado, simultaneamentee, muitos trabalhadores de vinha também emigraram. Começou assim a sentir-se a falta de mão-de-obra. Em continuação disto, houve o progresso geral das populações que também atingiu de alguma forma aqueles que trabalhavam as vinhas. Foi mais um factor para a recente situação.

Paisagem não Protegida da Cultura da Vinha

Nunca se deixou totalmente de cultivar algumas vinhas, mas têm sido essencialmente os poucos produtores que fazem o trabalho. Claro que haverá um ou outro assalariado, alguns sazonais. Segundo informação actualmente existem 4 assalariados de vinhas nos Biscoitos.Mais recentemente alargou-se a escolaridade obrigatória até aos 16 anos. Este facto faz com que as novas gerações vivam totalmente, ou quase, distantes deste tipo de actividades. É que crianças e adolescentes não tomam parte nas tarefas da vinha e do vinho. E por isso não aprendem a fazer e muito menos a amar.Há necessidade de criar nas novas gerações, os netos daquela gente, o gosto por esta herança cultural e a participação prática e actuante na vinha. Esta pode ser um “hobbie”, uma actividade secundária, um extra. De uma maneira geral estas novas gerações não costumam trabalhar, muito em especial no que diz respeito à agricultura, e ainda menos à vinha.

Curraletas com a casta da "Verdelho dos Açores" em repouso
vegetativo, vendo-se umas covas por plantar

O trabalho da vinha é todo manual e difícil. É dos mais difíceis que há na actualidade e só um contágio afectivo e um contacto inteligente, e cuidado, com a vinha e o vinho é que podem conduzir as novas gerações a ligar-se a essa actividade.

Portanto, deve reconhecer-se que nestas novas gerações há uma
mentalidade distante da vinha e do vinho porque significa sacrifícios. Os novos não pensam que podem ou devem fazer alguma coisa neste sector. Quando muito é para os “outros” e não para eles. Acresce que estas novas gerações encontram tudo feito e disponível no mercado. Ou ainda pior, em casa e à mesa. Por isso mesmo, eles não pensam que haja alguma coisa a fazer neste campo e, muito menos, por eles. Residentes nos Biscoitos, entre os 10 e 19 anos, existem cerca de180 adolescentes e jovens. Trata-se de uma massa humana crescente em número, em afastamento, bem como em desvalorização da vinha e do vinho. É que, daqui a 10 anos, os actuais serão adultos, ou quase, e atrás deles haverá mais jovens, adolescentes e crianças, e praticamente nenhuns avós.

"Verdelho dos Açores" e biscoitos de lava

Daqui nasce o grande problema de modificar a situação e fazer com que ela melhore e se torne contributiva para estas vinhas e este vinho. E por quê? De imediato trata-se de um valor histórico, ambiental e cultural. E até turístico. Mas muito mais do que isto, há necessidade de valorizar as fontes de riqueza local e regional. Talvez não faça sentido pensar-se a nível nacional devido às nossas limitadas dimensões. Mas dado o desenvolvimento actual da tecnologia dos vinhos, a produção de diferentes tipos de vinhos de qualidade nos Biscoitos, acarretará vantagens ao menos ao nível económico daquela localidade. E claro, para a Ilha Terceira. Contribuirá ainda para a nossa micro economia.
Além disso, deve pensar-se que é de prever que para o futuro haverá necessidade de muitas pessoas se ocuparem em trabalhos físicos. Por um lado, serão alguns e algumas que não encontrarão escoamento profissional noutros sectores.
Por outro lado, é sempre crescente o número de pessoas empregadas em “serviços” mas que precisam de complementos de actividade. Para bastantes serão “hobbies” de grande valor psicológico e familiar, uma ocupação de tempos livres e recursos de actividade física. Todavia haverá também muitas outras pessoas que terão necessidade de alguma fonte extra de rendimento para tornar possível, ou facilitar, a sua economia doméstica. Assim, as vinhas dos Biscoitos podem prestar um grande serviço físico, psíquico, económico, cultural, ambiental e paisagístico.
No sentido de sensibilizar as crianças para a cultura da vinha e do vinho a Universidade dos Açores por iniciativa de Teresa Lima está a desenvolver um projecto intitulado “As vinhas da Terceira/Uma experiência nos Biscoitos – Quinta à Biscoitinha”.
Arrancou-se com este projecto em Março de 2007. Em primeiro lugar havia necessidade de dispormos duma vinha, nesse sentido contactou-se o Chefe do Serviço de Desenvolvimento Agrário da Ilha Terceira, Eng.º José António Ávila, que de imediato nos disponibilizou esse espaço. Disponibilizou também o Técnico António Fernando Espínola Godinho para ensinar as práticas vitivinícolas. Seguidamente necessitava-se das crianças. Nessa ordem contactou
-se a direcção da Escola Básica Integrada dos Biscoitos (EBIB) que também aceitou estabelecer uma parceria com a Universidade dos Açores.

19 de Março de 2007-Francisco aprende a podar.
Um dos alunos perante o estado de repouso das videiras, também conhecido
por dormência, ao olhar para a vinha disse: "avinha está seca..."
o que significa o afastamento das crianças em relação à vinha.

A experiência decorreu com uma turma do 5º ano de escolaridade. Eram 14 alunos (8 meninas e 6 meninos). A presença das meninas é crucial, tendo em conta o significado que tem o pensar e o actuar do sector feminino nas famílias e nos ambientes. As mulheres são um grande factor de mentalização, de contágio, de participação e actuação. Mais tarde, como educadoras dos filhos, estas meninas que agora participam nesta experiência, criarão uma atmosfera de gosto e ligação afectiva e física à vinha e ao vinho.

Alunos vindimando

Este trabalho continua com esta turma, agora no 6º Ano, e que conta com mais oito alunos. E uma nova turma do 5º Ano com 20 alunos. Pretende-se que estes alunos acompanhem toda a actividade da vinha e laboração do vinho do 5º ao 9º Ano de escolaridade. A Profª Cecília Terra da EBIB, licenciada em História, é a responsável pela turma do 6º ano. A esta docente juntaram-se as Professoras Clara Rodrigues e Vânia Oliveira, licenciadas em História e em Biologia respectivamente. Elas acompanham a turma do 5º ano.

Há que executar um enorme investimento mental e actuante de informação, formação e exercitação de modo a que os objectivos sejam conseguidos, ou seja, criar um desenvolvimento de mentalidade, empenhamento, um saber-fazer para que a vinha seja cultivada, mantida e desenvolvida.

É crucial transmitir a estas crianças que não se pode aprender só a brincar, mas é necessário trabalhar para conseguir uma aprendizagem eficiente e profícua. Na época das vindimas poderiam trabalhar numa vinha, não como brincadeira, mas como uma tarefa necessária e útil.

A abertura e o grande valor deste projecto manifestam-se nalgumas das diferentes impressões dos alunos envolvidos na experiência:
“Olá, eu sou o Paulo e acho o projecto interessante porque aprendo mais e mais tarde posso ensinar os meus filhos.”

Paulo Barcelos

“Tenho adorado este projecto porque, para além de ser ao ar livre, aprende-se muitas coisas.

Até o meu avô que já é lavrador há muitos anos fui com ele à vinha para ajudá-lo e chamei a atenção para várias coisas que nem ele sabia.

Este projecto serve para melhorarmos o Ambiente.”

Maria Clara Costa

“Eu acho que o objectivo deste projecto com a Universidade dos Açores é bom para nós. Podemos saber mais: como se poda, enxertos, tipos de vinhas e assistir aos estados fenológicos.

Se a professora só falasse na vinha sem a gente ver era uma seca mas, a professora, leva-nos a ver pessoalmente e assistir a tudo.”

Bruno Lourenço

No que se refere às actividades desenvolvidas pelos alunos ao longo dos anos de 2007 e 2008 ficam aqui alguns registos fotográficos da autoria de Teresa Lima.

CONCLUSÃO


Estas experiências representam uma gota de água no oceano de trabalhos que terão de ser desenvolvidos pela Universidade dos Açores, a Escola Básica Integrada dos Biscoitos e a Secretaria Regional de Agricultura e Florestas. Os professores e técnicos destas Instituições têm consciência disso. O entusiasmo e atmosfera que se criou entre os docentes, técnico e alunos são grandes, sendo um catalisador importante para a abertura das mentes dos netos e também dos avós.
Recorde-se que o nosso lema será abrir a mente das gerações novas para a descoberta da importância da existência da vinha, através da instrução, participação, actuação, trabalho, para que este sector no futuro seja continuado e implicativo. Em suma, criar uma forte ligação afectiva e física à vinha e ao vinho dos Biscoitos.

MTRL

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