In Memoriam
* Jácome de Bruges Bettencourt
Acaba de fazer um mês que a “diva dos pés descalços” disse adeus à vida. Foi, precisamente, no passado dia 17 de Dezembro, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, na cidade do Mindelo, aos 70 anos de idade, que nos deixou para sempre. O seu funeral foi uma manifestação unânime de pesar, tendo o país, justamente, decretado o luto nacional por quem foi a “rainha ou embaixadora da morna”.
O seu funeral realizou-se no dia 20 seguinte e saiu do segundo Palácio Nacional, residência do Presidente da República de Cabo Verde quando está nesta cidade.
Cize começou a cantar ainda criança, tanto que aos 16 anos já actuava com um grupo de rapazes que tocavam nas ruas do Mindelo, assim como em bares e hotéis da cidade portuária do agora país arquipelágico onde nasceu, que tanto amou e sentia, constantemente, necessidade de voltar, a cada ano, como que a completar uma etapa.
A música foi uma constante da sua vida. O pai, Justiniano da Cruz tocava cavaquinho, violão e violino, e o irmão Lela saxofone.
Mas, só a partir de 1988 começa, verdadeiramente, a sua brilhante carreira de permanente ascensão internacional, isto é, a partir dos álbuns “A Diva dos Pés Descalços” e “Miss Perfumado”. Aos 50 anos, impulsionada, sobretudo, na França, em Paris, sua segunda casa, já que a principal será sempre o torrão cabo-verdiano, que ao chegar ao Mindelo, após uma digressão, repetia a frase: “Aleluia, já fui fazer o que tinha a fazer e já voltei, graças a Deus”.
Os êxitos repetem-se ao longo de, pelo menos, 24 lançamentos de discos, como “Mar Azul”, “Café Atlântico”, “Voz d’Amor”, “Cesária Évora à L’Olympia”, “São Vicente di Longe” ou “Nha Sentimento”. Temas celebrizados em mornas de perda, pobreza e imigração, como a tão conhecida “Sôdade”, “Sangue de Beirona”, “Mar Azul”, “Miss Perfumado”, “Dor di Amor”, “Destino Negro” e menos com as ritmadas coladeiras.
No final dos anos 90, o Presidente da República Portuguesa concede-lhe a grã cruz da Ordem do Infante D. Henrique, já depois de receber a mais importante Ordem da República de Cabo Verde, entregue pelo seu Presidente.
Em 2004 recebeu o Grammy para o melhor álbum de música do Mundo, com o inesquecível disco “Voz de Amor”. Em França era, cada vez mais, considerada como um ícone nacional. Tanto que, em 2009 o presidente francês Nicolas Sarkozy atribui-lhe a Legião d’ Honra.
Nomes grandes do panorama cultural de expressão portuguesa como José Eduardo Agualusa, Tito Paris, Mayra Andrade, Lura, Nancy Vieira, Bana, Titina, Mariza, Carlos do Carmo, João Braga, Mário Lúcio, José Maria Neves, Francisco José Viegas, Cavaco Silva, Passos Coelho, entre tantos que são uníssonos, cada um à sua maneira, mas no fundo a afirmar o mesmo: “CESÁRIA KA MORRI!”
“Quando pensamos em Cabo Verde, seguramente, pensamos em Cesária Évora. E quando as pessoas a ouvem, a referência é Cabo Verde, o que quer dizer que é uma das grandes figuras da nação cabo-verdiana” conforme sublinhou Jorge Carlos Fonseca, Presidente de Cabo Verde.
Cize declarava-se fã de Amália e dizia que morna e fado eram “irmãos”.
A notícia da sua morte mereceu destaque em todo o Mundo. O “El País” enalteceu os mais de 6 milhões de discos vendidos. “ O Globo” lembrou-a como “cantora de amores desfeitos”. Foram às centenas os títulos a mencionar o adeus à vida dessa extraordinária voz cabo-verdiana que agora deixa a “Sôdade” nos milhares e milhares de amigos e fãs espalhados pelo universo.
Como foi dito, Cesária Évora a cantora, colocou Cabo Verde no mapa da música Mundial. A morna ficou sem Mãe. Porém, a sua voz era grande demais para o tamanho da Ilha onde nasceu. Ela será eterna.
As comunidades cabo-verdianas da Terceira e São Miguel, respectivamente, nos passados dias 23 e 22 de Dezembro último quiseram, em requiem, mandar celebrar missas no 7º dia da sua morte, que mereceram em ambos os casos grande participação.
Na Terceira seguiu-se um jantar no Restaurante “A Africana” de Dona Néné Furtado, em homenagem a Cesária com evocações à sua vida, que contaram com a colaboração de alguns seus vizinhos “de ao pé da porta”, que com ela e a sua família conviveram na cidade do Porto Grande, como os casos do médico cirurgião Óscar Almeida Reis, que foi companheiro de escola do filho de Cize, ou do engenheiro electromecânico António Neves.
Cesária adorava a sua família, isto é, os filhos Eduardo e Fernanda, os netos Janete e Adilson e o bisneto Luís.
Quando a conheci, há anos, no Mindelo, apresentou-nos, com boa disposição a filha.
Poderia e disso não me esqueço, em finais dos anos 90, quando Cize veio a Ponta Delgada, ter de seguida actuado em Angra, por sugestão nossa à Comissão das Festas Sanjoaninas, que assim não o entendeu. Penso que por ignorância, ou seja, desconhecimento do seu real valor, uma vez que a despesa era praticamente simbólica.
Foi uma pena… mas é por factos como este que na opinião de grande parte dos Açorianos, Angra há muito tempo deixou de ser capital da cultura na região.
* Cônsul Honorário da República de Cabo Verde nos Açores
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