Quando chega Dezembro (e em todos os Dezembros de todos os anos e desde há, pelo, menos e seguramente, um centena de anos) na maioria das freguesias rurais da Terceira (pequena ilha do Arquipélago Açoriano, com 402 Km2, cerca de 55.000 habitantes, duas cidades – sendo uma delas Angra do Heroísmo, Património Mundial da Humanidade e a outra, Praia da Vitória, a que possui a maior praia do arquipélago – e 23 freguesias rurais) há sempre alguém que pergunta: saímos para o ano com um dança? Fazemos um bailinho para o Entrudo?
Regra geral a resposta é afirmativa.
(…)
E nos três dias de Carnaval, de Domingo Gordo à terça-feira do dito, milhares de terceirenses (e não só, é bom de ver) encherão por completo não só praças e terreiros mas especialmente as cerca de 30 sociedades recreativas (os seus salões de espectáculos com 300 lugares e mais lugares sentados) da ilha para, noite e dia, quase sem intervalos, assistirem ao maior encontro de teatro popular que, em língua portuguesa, se faz em todo o Mundo.
Que fenómeno é este, que sortilégio aqui existe para que toda uma população se mobilize e consiga um Carnaval tão peculiar, tão diferente, tão verdadeira e genuinamente participado? Que milagre é este que não mostra sinais a regressão e continua cada vez mais forte e activo e provoca em quem visita a ilha as mais entusiásticas referências? O que é que passa em quem nesses dias, para que um conhecido e experiente homem de teatro, como Carlos Avilez, considere não só o Carnaval terceirense “ como o único verdadeiramente português” como admita que “nunca tinha assistido a um festival de teatro tão participado e com uma raiz popular tão autêntica.”? (DI- 28-2-95).
Toda e qualquer resposta pecará ou por exagero ou por omissão. Por exagero se proferida ou dada por quem se deixe deslumbrar por um entusiasmo (de três dias, é certo) que facilmente contagia qualquer espectador, sobretudo se predisposto ou vocacionado para coisas da chamada cultura popular.
Por omissão se proferida ou dada por quem se limite a uma análise superficial, de passagem, ou até, por quem, sabendo do assunto, esteja mais vocacionado para longas e saborosas conversas pela noite dentro numa verdadeira roda de amigos, do que para uma escrita onde sempre faltará o pormenor que tudo explica. “ Quand on prend tant de joie au dialogue, convient-il de perdre du temp à écrise?” pergunta Claude Metha, no prefácio que escreveu para Le Carnaval de Claude Gaignebet (CG/L).
É esse o risco que, aqui e nestes escritos, me disponho a correr, trazendo aos leitores quando sobre o teatro popular que se faz na ilha Terceira – as suas Danças de Entrudo – me foi possível recolher e estudar ao longo de muitos anos.
In José Noronha Bretão – As Danças do Entrudo Uma Festa do Povo - Teatro Popular da Ilha Terceira” – Angra do Heroísmo 1998 – 1º Volume, páginas 17/18.
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