terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

UMA FESTA DO POVO

"Dança de Espada” da Sociedade Progresso Biscoitense (década de cinquenta do século passado) actuando no Caminho do Concelho da Freguesia dos Biscoitos

Quando chega Dezembro (e em todos os Dezembros de todos os anos e desde há, pelo, menos e seguramente, um centena de anos) na maioria das freguesias rurais da Terceira (pequena ilha do Arquipélago Açoriano, com 402 Km2, cerca de 55.000 habitantes, duas cidades – sendo uma delas Angra do Heroísmo, Património Mundial da Humanidade e a outra, Praia da Vitória, a que possui a maior praia do arquipélago – e 23 freguesias rurais) há sempre alguém que pergunta: saímos para o ano com um dança? Fazemos um bailinho para o Entrudo?
Regra geral a resposta é afirmativa.

(…) 
E nos três dias de Carnaval, de Domingo Gordo à terça-feira do dito, milhares de terceirenses (e não só, é bom de ver) encherão por completo não só praças e terreiros mas especialmente as cerca de 30 sociedades recreativas (os seus salões de espectáculos com 300 lugares e mais lugares sentados) da ilha para, noite e dia, quase sem intervalos, assistirem ao maior encontro de teatro popular que, em língua portuguesa, se faz em todo o Mundo.

Que fenómeno é este, que sortilégio aqui existe para que toda uma população se mobilize e consiga um Carnaval tão peculiar, tão diferente, tão verdadeira e genuinamente participado? Que milagre é este que não mostra sinais a regressão e continua cada vez mais forte e activo e provoca em quem visita a ilha as mais entusiásticas referências? O que é que passa em quem nesses dias, para que um conhecido e experiente homem de teatro, como Carlos Avilez, considere não só o Carnaval terceirense “ como o único verdadeiramente português” como admita que “nunca tinha assistido a um festival de teatro tão participado e com uma raiz popular tão autêntica.”? (DI- 28-2-95).

Toda e qualquer resposta pecará ou por exagero ou por omissão. Por exagero se proferida ou dada por quem se deixe deslumbrar por um entusiasmo (de três dias, é certo) que facilmente contagia qualquer espectador, sobretudo se predisposto ou vocacionado para coisas da chamada cultura popular.

Por omissão se proferida ou dada por quem se limite a uma análise superficial, de passagem, ou até, por quem, sabendo do assunto, esteja mais vocacionado para longas e saborosas conversas pela noite dentro numa verdadeira roda de amigos, do que para uma escrita onde sempre faltará o pormenor que tudo explica. “ Quand on prend tant de joie au dialogue, convient-il de perdre du temp à écrise?” pergunta Claude Metha, no prefácio que escreveu para Le Carnaval de Claude Gaignebet (CG/L).

É esse o risco que, aqui e nestes escritos, me disponho a correr, trazendo aos leitores quando sobre o teatro popular que se faz na ilha Terceira – as suas Danças de Entrudo – me foi possível recolher e estudar ao longo de muitos anos.

In José Noronha Bretão – As Danças do Entrudo Uma Festa do Povo - Teatro Popular da Ilha Terceira” – Angra do Heroísmo 1998 – 1º Volume, páginas 17/18.


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