quarta-feira, 19 de setembro de 2012

VISITA DO CHEFE DO GOVERNO DE CABO VERDE À TERCEIRA



Da esquerda para direita: Jácome de Bruges Bettencourt, Cônsul nos Açores, Dr. José Maria Pereira Neves, Primeiro Ministro da República de Cabo Verde e Dr.ª Fernanda Fernandes, Ministra das Comunidades de Cabo Verde.


De acordo com o jornal A União, o Primeiro Ministro de Cabo Verde mostrou-se satisfeito pela boa integração da comunidade cabo-verdiana nos Açores, pelo que destacou, domingo à noite, em Angra do Heroísmo, a boa integração da comunidade cabo-verdiana nos Açores, onde vivem mais de mil nacionais do seu país. «É gratificante poder encontrar-vos com este nível de integração e com esta relação com os açorianos», afirmou José Maria Neves, num encontro com a comunidade cabo-verdiana da Terceira, salientando que a «alma de ilhéu» contribuiu para esse bom relacionamento.

Num discurso em que apelou à «têmpera» dos cabo-verdianos para ultrapassar os momentos difíceis, José Mara Neves frisou estar orgulhoso da comunidade que encontrou no arquipélago.

«É gratificante, emocionante até, poder ver uma comunidade tão amiga, tão afectiva, tão simpática como esta comunidade cabo-verdiana que reside nos Açores», afirmou.

O Primeiro Ministro de Cabo Verde destacou também o «desenvolvimento» do seu país salientando que Cabo Verde já cumpriu «grande parte dos objectivos do milénio» em áreas como a saúde, educação e erradicação da pobreza.

Nesta ocasião, foram homenageados cidadãos cabo-verdianos como Eduardo Augusto de Castro ( o Cabo Verde), protésico dentário, falecido há 11 anos, a título póstumo; Carlos Alberto Pereira (Cabé), sargento mor da Força Aérea Portuguesa; Francisco Tavares, operário da construção civil, aposentado; Inês Pereira Furtado (D. Néné), empresária; Camilo Mamede Delgado, operário da construção civil, reformado e o Dr. Óscar Almeia Reis, cirurgião que se distinguiram ao longo da sua permanência na ilha Terceira.

A delegação da República de Cabo Verde, chefiada pelo Primeiro Ministro, apresentou cumprimentos no Solar da Madre de Deus, em Angra, ao Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, embaixador Dr. Pedro Catarino e nos Paços do Concelho á presidente do município angrense, Drª Sofia Machado do Couto Gonçalves, entidades que estiveram presentes no convívio com a comunidade cabo-verdiana da Terceira, assim como a Directora Regional das Comunidades, Graça Castanho, entre outras individualidades.

Integraram a comitiva do P. M. a ministra das Comunidades, Drª Fernanda Fernandes, embaixadora de Cabo Vede em Portugal, Drª Madalena Neves (que nas palavras que proferiu manifestou o desejo de dotar os serviços da sua responsabilidade com melhores meios com vista a melhor servir a comunidade), chefe da secção consular da Embaixada em Portugal, Drª Edna Marta e a conselheira diplomática do P. M. Drª Jacqueline Ferreira.

Aqui arquivamos as palavras proferidas pelo cônsul honorário da República de Cabo Verde nos Açores, Jácome de Bruges Bettencourt, no encontro com a comunidade cabo-verdiana desta ilha, seguido de um jantar no restaurante de D. Néné, que contou com a presença de 240 pessoas, ocorrido no dia 16 de Setembro de 2012.

«As ilhas dos Açores e de Cabo Verde sempre estiveram separadas por mar e, ironicamente, ligadas por via marítima, desde os tempos áureos das descobertas e navegações. Mais tarde, outras aproximações surgem como as provocadas pelas baleações.

As barcas baleeiras americanas, sobretudo durante todo o século XIX e primeiro quartel do século XX, sempre meteram tripulantes, tanto nos Açores como em Cabo Verde. A língua, como seria natural, proporcionou convivência amistosa para não falar nos inúmeros factores comuns de insularidade ainda persistentes.

Desde essas épocas, as uniões e consórcios verificados entre os dois povos eram frequentes e lembro a honra que muitos cabo-verdianos sentem nos seus costados açorianos. Recordo o caso do embaixador Daniel Pereira, um dos mais importantes e conhecidos historiadores cabo-verdianos da actualidade, por sinal sócio do Instituto Histórico da Ilha Terceira, que é bisneto de um graciosense que foi para Cabo Verde como baleeiro.

Não esqueço Manuel Lopes, intelectual, um dos fundadores mais importantes do movimento cultural Claridade, que trabalhou profissionalmente numa companhia inglesa de cabos submarinos que amarravam, tanto no Faial como em S. Vicente, o que o fez viver no Faial, onde escreveu parte da sua obra e deixou colaboração dispersa no jornal local O Telégrafo. Também, aí pintou e fez duas exposições dos seus quadros no Amor da Pátria, sociedade por ele frequentada, tendo convivido com meu pai, e com o poeta Pedro da Silveira. Por aí passaram, igualmente, mais cinco cabo-verdianos, tendo um deles Carlos Saint’Aubyn da Silva, aqui casado, radicado e onde viveu o resto da sua vida. Há poucos dias vi a sua viúva, a faialense, D. Luna Teles Ribeiro que continua a residir na Horta.

Em S. Miguel, fixou-se na segunda metade do século passado (1955) e deu vida ao futebol micaelense, como treinador do Santa Clara, Henrique Ben-David, natural do Mindelo, nome incontornável do desporto, como antigo jogador da CUF e depois do Atlético Club de Portugal, acabando a sua vida como comentador futebolístico na RTP-Açores. Quem não ouviu, D. Djuta (Justina Silva Ben-David) com a sua inconfundível e melodiosa voz ao som de mornas tocadas por ela e por seus filhos, músicos de respeito.

Na Terceira, Praia da Vitória, fixou-se nos finais da II Guerra Mundial uma conhecida e popular figura, Eduardo Augusto de Castro, “o Cabo Verde”. Autêntico aventureiro, que embarca da sua ilha a salto num navio, como passageiro clandestino e atirado ao mar, ao largo da Praia, nada em busca de salvamento, atingindo esta então vila. Aí vive 60 anos e trabalhou como protésico dentário. Outro nascido em Cabo Verde que escolheu a Praia da Vitória, vai para 40 anos, para viver foi “Cabé”, Carlos Alberto Pereira que chegou a Sargento Mór da Força Aérea Portuguesa

Tudo, gente que lembramos, não só pelo seu valor, mas por aquilo que deram aos Açores com o seu trabalho, esforço e empenho, desde que pisaram as novas ilhas de acolhimento.

Mas, é em 1980, logo após esse devastador terramoto, uma das maiores catástrofes ocorridas nos cinco séculos e meio da nossa História, que para aqui vem uma primeira leva ou fornada de mais de meia centena de cabo-verdianos que muito contribuíram para a reconstrução, numa ilha virada de pernas para o ar, pois 80% das suas construções ficaram arruinadas.

Estou a ver aqui, diante dos nossos olhos, alguns desses homens e mulheres que vão ser, homenageados pelo Primeiro Ministro da República de Cabo Verde, Dr. José Maria Pereira Neves, com o testemunho de todos os aqui presentes.

Essa gente, alguns até já em segunda geração, continuam a marcar presença activa e competente através de médicos (só o Hospital de Santo Espírito conta com meia dúzia), engenheiros, professores, desenhadores, advogados, empreiteiros, operários especializados ou indiferenciados da construção civil, empresários, enfermeiras, educadoras de infância e estudantes (a Universidade dos Açores já formou mais de duas dezenas, o Paulo Mendes, Presidente da AIPA, é exemplo disso, aí se licenciou e mestrou). As escolas do ensino profissional de quase todas as ilhas têm sido frequentadas por cabo-verdianos com notável aproveitamento, tendo esses alunos, concluídos os cursos, regressado a Cabo Verde.

Em finais do ano de 1996, o governo da República de Cabo Vede decide criar na Região Autónoma dos Açores um Consulado Honorário, convidando-me a assumir o honroso cargo.

Foi-me passada a respectiva Carta Patente concedendo-me o Exequatur de nomeação a 3 de Fevereiro de 1997, assinado pelo Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, pelo Primeiro Ministro, António Guterres, e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, bem assim, logo a seguir, a Carta Patente subscrita pelo Presidente da República de Cabo Verde, António Mascarenhas Monteiro e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, Amílcar Fernandes Spencer Lopes.

Devo dizer que ao longo destes mais de 15 anos de actividade, contactei com alguns milhares de cabo-verdianos que me deram muitas alegrias, criando amizades que perduram no tempo, mesmo com aqueles que regressaram à terra de nascimento e que tenho o gosto de visitar nas minhas idas a Cabo Verde. Apadrinhei crianças nascidas nos Açores ou jovens em casamentos, assim como estudantes em queima das fitas. Sinto que tudo isto nos aproxima. No meu entendimento, as funções de Cônsul não devem resumir-se aos inerentes actos burocráticos. Tem que haver disponibilidade para outras ajudas, quando necessário.

Os Açores, desde que assumimos a função, receberam a visita de governantes como o Primeiro Ministro, Dr. Carlos Veiga, que veio acompanhado nessa visita particular, do seu homólogo português, António Guterres, e já em visita oficial, o Primeiro Ministro, Dr. José Maria Pereira Neves que recebeu, nesta cidade de Angra, em 2007, da mão do Presidente deste município a chave de honra da cidade, distinção máxima conferida pela primeira cidade portuguesa, classificada Património Mundial pela UNESCO, em 1983, estando de novo a visitar-nos. Aqui estiveram de passagem, ao longo desse tempo, em missões representativas do seu país, quatro ministros e cinco secretários de estado e o Reitor da Universidade de Cabo Verde. Recebemos a visita dos embaixadores, Onésimo Silveira, Daniel Pereira, Arnaldo Andrade Ramos (4 vezes) e agora da embaixadora Madalena Neves.

Apoiámos e acompanhámos geminações de municípios como as de Angra com Porto Novo (Santo Antão), S. Filipe (Fogo), Ribeira Brava (S. Nicolau) e Mindelo (S. Vicente), como assim a mais antiga existente, entre Velas (S. Jorge) / Espargos (Sal) ou Ribeira Grande (S. Miguel) / Ribeira Grande (Santo Antão) e outras em perspectiva.

Mas, agora que nos reformámos profissionalmente, temos projectos, como o de abrir, em Janeiro próximo, um escritório do nosso consulado no centro da cidade (ao Alto das Covas). Disporemos de mais tempo para receber a nossa comunidade e assim servi-la melhor.

Esperamos, somente, que a saúde nos permita tal, pois vontade não nos falta.

Antes de terminar, os meus parabéns a todos aqueles que foram homenageados na Terceira e S. Miguel e um agradecimento a colaboradores, sempre disponíveis, como a D. Inês Pereira Furtado (Néné), autêntica instituição de solidariedade, e que é também responsável pela Delegação da AIPA na ilha Terceira, ao Dr. Óscar Almeida Reis, hábil cirurgião, em Angra há 17 anos, que tem sempre disponibilidade para animar a comunidade com a sua voz e música, inconfundíveis e tão apreciadas mornas, e à AIPA na pessoa do seu presidente da direcção, Dr. Paulo Mendes, que tem cumprido um programa rico em actividades, com realce para as amplamente participadas por jovens da comunidade cabo-verdiana, realizadas no passado mês.
Que momentos como os que hoje estamos a viver se repitam. A todos o meu muito obrigado».


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